Cheguei tarde ao facebook. Na verdade cheguei tarde a todas as estas realidades interativas propiciadas pela internet. Não ser uma excluída de todas as redes sociais no gracioso ano de 2014 deve-se ao acaso de ter ficado em casa, sem trabalhar, no último mês da gravidez da minha criança mais velha. Corria naqueles tempos a campanha eleitoral para as presidenciais de 2006 e através dos blogues que apoiavam as campanhas de Cavaco e Soares (o Pulo do Lobo e o Super Mário) lá me viciei na blogosfera, iniciando-me como modesta comentadora. Na gravidez seguinte (em 2009, o ano de todas as eleições) passei boa parte dela escrevendo em blogues de campanha (que é sempre bom termos alguns atos no passado de que nos envergonhamos), ao lado de muitos dos autores do Pulo do Lobo.

O meu love affair com a blogosfera persiste, a minha relação tumultuosa com o facebook iniciou-se em fins de 2012 e estou por estes dias a render-me aos encantos do twitter. O instagram e outros, de que já ouvi uns zunzuns, nem faço ideia do que são. Quando toda a gente estiver extasiada com a next big thing, eu estarei pronta para as redes de hoje. A única realidade trazida pela internet que me arrebatou logo foram as compras online. Comecei com um pólo dos All Blacks para o meu sobrinho para presente de Natal, numa época em que estas excentricidades ainda causavam ansiedade nos bancos e tinha de se ir lá dizer sim, senhora, esse pagamento do cartão de crédito é para aceitar. Depois travei conhecimento com a Amazon e o Net-a-Porter e foi o início do meu enlevo com os sites de venda online, que alguns sobressaltos ainda não exterminaram.

Por só ter chegado no final de 2012 ao facebook e não o usar em inglês, não fui abrangida pelo estudo que o Observador noticiou, onde se manipularam os news feed para analisarem se as emoções são contagiosas numa rede social. Nos Estados Unidos evidentemente a publicação do estudo gerou indignação. Afinal não houve conhecimento das cobaias e, de facto, é algo doentio uma organização tentar por uns dias que cerca de 350.000 pessoas fiquem mais tristes do que têm por hábito ficar ou a vida lhes impõe. E se alguém que calhou no grupo dos a entristecer já estivesse, um exemplo, com uma depressão? E piorasse graças ao nada inócuo estudo do facebook?

Mas também não sossega muito que outras 350.000 se tenham sentido mais alegres graças a uma manipulação do facebook. A experiência faz lembrar a distopia sobre a China de 2013, escrita em 2009, The Fat Years, de Chan Koonchung, onde se relata que as autoridades chinesas misturavam drogas na água de beber para tornarem os chineses permanentemente felizes. Ou as cassetes que se ouviam durante o sono no Admirável Mundo Novo, de Huxley, condicionando a população para (neste caso) ser feliz.

Perante a maneira leviana como o facebook trata os seus utilizadores, a juntar aos abusos securitários da Administração Obama (e, provavelmente, de outras que lhe seguirão) e à imaginação de publicitários espevitados, toda uma panóplia de emoções nos é colocada à disposição. Imaginemos que uma empresa quer fazer uma campanha publicitária no facebook e que ou a tristeza ou a alegria acentuadas levam os consumidores a ficarem mais vulneráveis a essa campanha. Aceitará o facebook manipular os news feed para que os utilizadores estejam mais recetivos àquilo que lhes pagam para publicitar? E se os proprietários do facebook estiverem politizados e quiserem colocar os eleitores-barra-utilizadores-do-facebook mais felizes ou menos felizes consoante queiram ajudar ou penalizar quem se candidata a uma recondução num cargo político? E ainda – agora todos os sinos a tocar, s.f.f. – se uma administração ou governo, através de expedientes legais ou ilegais, pretender colocar, usando o facebook, os seus cidadãos felizes e pouco contestatários face ao poder político? O facebook corre o risco de se tornar a musa inspiradora de qualquer escritor de distopias.

Eu, humildemente, apresento uma solução. É velhota, mas muito eficaz. Chama-se ironia e eu tendo a usar e abusar. Já escrevi algumas coisas que literalmente são elogios a alguns daqueles (frequentes) textos pouco assisados de Mário Soares. Quando religiosos sauditas justificaram a proibição das mulheres guiarem com as doenças nos ovários que guiar provoca, o meu facebook rejubilou de aprovação a estes corajosos islamitas. E mais por aí. Além de sabotar as pretensões do facebook, é uma linda maneira de pôr o espírito e a imaginação humanos a derrotar algoritmos. Quase me apetece escrever uma utopia sobre isto.

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