Depois de andar décadas a repetir que a Aliança Atlântica não passava de um rudimento da “guerra fria” e de defender a sua liquidação, a diplomacia russa veio, finalmente, reconhecer que a NATO não é um anacronismo e que é necessário reatar o diálogo.

“Anacronismo? Muitos países fazem parte da NATO porque simplesmente lhes é vantajoso do ponto de vista económico e político, porque não é preciso criar uma política externa separada, sendo suficiente juntar-se à comum”, declarou Andrei Kelin, director do Departamento para a Cooperação Europeia do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, numa entrevista à agência Interfax.

Como é difícil acreditar que um diplomata russo faça afirmações desse tipo sem autorização superior, pois é o Presidente Putin que dirige a política externa, podemos concluir que estamos perante uma viragem inesperada na atitude do Kremlin face à Aliança Atlântica.

É de salientar também que o diplomata russo encontra “um grande número de razões” para que os Estados, principalmente os pequenos, prefiram fazer parte da NATO: “Não há necessidade de criar uma defesa em todo o perímetro do país. Por exemplo, a Bélgica não precisa de ter forças navais militares próprias, aviação, defesa anti-aérea. Trata-se de divisão do trabalho, o que é muito mais. Um país tem duas fragatas e quatro caças. O vizinho cumpre outras tarefas militares”.

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E acrescenta: “É impossível convencer os países membros de que é necessário sair da NATO, de que é um anacronismo, porque prevalecem as razões puramente racionais”

Por isso, conclui Andrei Kelin, a NATO “é uma realidade, é um factor militar e, por isso, não nos podemos limitar a formulas mágicas”, frisando que “é necessário organizar relações normais e reiniciar o que estava a ser feito”.

Não se pode deixar de ter em conta que semelhantes declarações conciliatórias têm como pano de fundo o agravamento das relações entre o Kremlin e a Casa Branca, num momento em que Barack Obama está de saída. Ao suspender a expulsão de 35 diplomatas norte-americanos da Rússia, em resposta a medida semelhante de Obama, Putin pretende mostrar a Donald Trump que está disposto a virar a página nas relações bilaterais, que incluem também as relações entre Moscovo e a NATO, visto que os Estados Unidos têm um peso decisivo nessa organização.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu, por um lado, reduzir o apoio à NATO, mas, por outro lado, continuar a política de instalação de um sistema de defesa anti-míssil na Europa do Leste, o que é mal visto pelo Kremlin. Este tenciona fazer Trump mudar de ideias com a normalização das relações entre a Rússia e a NATO, suspensas deste que militares russos ocuparam parte do território ucraniano em 2014, começando pela Crimeia.

Embora o diplomata russo não aborde as relações entre a Rússia e a União Europeia, uma aproximação entre Moscovo e a NATO poderia contribuir para o melhoramento dos contactos bilaterais com a UE, na esperança de que esta, no mínimo, abrande as sanções contra a Rússia.

Estas declarações conciliadoras parecem também dever-se ao facto de Vladimir Putin não se querer envolver numa corrida aos armamentos insuportável para a economia russa. Esta, encontrando-se muito longe dos seus melhores momentos, já suporta os pesados fardos das guerras na Síria e na Ucrânia.

O Kremlin começa a preparar-se para as eleições presidenciais de 2018, onde só é para ele aceitável uma vitória esmagadora do seu candidato, provavelmente Vladimir Putin. Para isso, precisa de meios económicos e financeiros para convencer os russos a irem às urnas.

Seja como for, esta é a primeira vez, depois da criação da NATO em 1949, que a diplomacia russa vem reconhecer que a Aliança Atlântica tem razão de existir. Isto é importante para Estados pequenos como a Estónia, Lituânia e Letónia, que vizinham com a Rússia e veem na NATO o único garante da sua segurança.