Neste Natal os meus filhos ofereceram-me um pequeno toca-discos portátil. Nada de iPods, mp3, smartphones – um toca-discos de vinil. Uma coisa linda, verde anos 50, uma caixa com cantos de metal e fecho e pega para poder ser transportado para todos os lados onde haja discos. LPs. Singles.

Fui logo tirar a poeira aos meus velhos discos arrumados na estante, entre os calhamaços de medicina e velhos números da National Geographic. GNR. David Bowie. Leonard Cohen. Doors. Elis. Recordam-se das ferozes polémicas de há 25 anos, quando apareceram os CDs e todos discutiam se a pureza do registo digital era melhor ou pior do que o registo analógico? Polémicas inúteis e sem interesse: guardei religiosamente os meus vinis à espera do dia em que os pudesse ressuscitar, trazer novamente à vida, acordar as estrias para o ar da noite de Lisboa.

Lá corri os meus discos, os velhos e familiares ruídos das estrias sujas de pó, os vícios dos riscos acumulados, os ressaltos das rodelas empenadas pelo calor e pelo tempo. Diverti-me a explicar aos meus filhos (que me ofereceram o toca-discos mas nada sabiam de vinis) que os discos tinham duas faces, que as músicas se separavam por riscas de silêncio entre as faixas, que se podia pôr a agulha a tocar onde se quisesse, mais à frente ou mais atrás.

E depois acabei com um disco nas mãos: Amália canta Frederico Valério. Anos 90. Não sei quantos se recordam deste disco nem quantos tiveram sequer oportunidade de o conhecer. Quando Amália ainda tinha Voz e era uma diva, uma deusa absoluta. Não há palavras para descrever este disco. Guardo uma canção em especial: o Fado do Ciúme. Fala de mulher absoluta, resistente, forte como ninguém é supostamente capaz de ser forte. E ainda outra: Confesso. Fala de um amor total, impiedoso, intolerante, absoluto como deve ser todo o amor.

O Natal é tempo de revelações e, desde Dickens, de salvações. Este disco é uma epifania. Obrigado, filhos.

E obrigado, Amália.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR