«Ficava presa no quarto, às vezes até amarrada à cama, com uma corda, e nem sempre me deixava beber ou comer. Batia-me quando eu não fazia tudo o que ele queria, tinha sexo comigo muitas vezes, e doía muito, eu chorava. Mas depois começou a ser mais meigo, a magoar menos, a dizer coisas, que eu era bonita, especial, e que só comigo é que ele fazia aquilo porque gostava muito de mim e tinha medo de me perder (…) uma vez eu fiquei no quarto sem estar presa mas não tentei fugir… ele ia ficar muito triste e desiludido comigo, e ia ficar sozinho (…) está preso agora, mas não quero que lhe façam mal, porque ele tratou de mim, cuidava de mim, era ele que estava comigo todos os dias e todas as noites… gosto dele».
‘Maria’, 23 anos

Este é um relato fictício, baseado em relatos de situações reais.

Nutrir sentimentos de amizade, simpatia ou mesmo amor por quem agride, rapta, mantém em cativeiro ou maltrata de alguma forma, parece um fenómeno muito estranho e mesmo incompreensível para o observador externo. Esperamos sentimentos negativos e intensos, como a raiva, o ódio e mesmo o desejo de vingança por parte de que sofre os ditos maus tratos, mas, em algumas situações, observa-se exactamente o inverso. As vítimas, submetidas a uma intimidação ou violência prolongadas, manifestam sentimentos de apego ao agressor e tendem, ainda, a evitar comportamentos que possam não agradar a quem as maltrata. Defendem o seu agressor e protegem-no, o que talvez ajude a perceber porque, mesmo quando existe possibilidade para tal, não fogem nem pedem ajuda. Quando já se encontram em liberdade, as vítimas sofrem quando se apercebem do sofrimento de quem as maltratou, chegando a mentir ou omitir sobre determinadas situações, numa tentativa de proteger os agressores da única forma que sabem.

Como explicar esta situação?

Embora não exista uma resposta única, uma das mais defendidas remete para a possibilidade das vítimas poderem desenvolver um mecanismo de defesa, ainda que inconsciente e irracional, quase como se os sentimentos positivos e de afecto pudessem, de alguma forma, minimizar a tensão e sofrimento sentidos. Em simultâneo, este mecanismo defensivo permite uma desvinculação da realidade perigosa e ameaçadora que vivenciam, um estado dissociativo em que passa a viver-se noutra realidade, potenciando sentimentos de segurança e protecção.

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Foi após o famoso assalto de Norrmalmstorg, em Estocolmo, que durou de 23 a 28 de Agosto de 1973, que esta reacção por parte das vítimas ganhou a sua designação. Nesse assalto, as vítimas continuaram a defender os seus raptores mesmo depois dos seis dias em que foram mantidas reféns. Mostraram inclusivamente um comportamento reticente e hesitante nos processos judiciais que se seguiram. O termo “Síndrome de Estocolmo” foi atribuído pelo criminólogo e psicólogo Nils Bejerot, que colaborou com a polícia durante o assalto e que iniciou o estudo sobre este fenómeno aparentemente contraditório.

Estas vivências podem ser classificadas enquanto acontecimentos traumáticos, passíveis de gerar diversos tipos de sintomatologia, desde reacções agudas de ansiedade e/ou depressão, até mesmo uma perturbação pós-stress traumático. Em qualquer das situações, as vítimas devem beneficiar de um processo psicoterapêutico, muitas vezes articulado com terapia farmacológica. O prognóstico da evolução destas situações depende de numerosas variáveis, com especial destaque para o grau de ajustamento prévio e a consistência da rede de suporte social.

Rute Agulhas é psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. Perita em Psicologia Forense. Professora assistente convidada no ISCTE-IUL. Investigadora no CIS-IUL.