O Orçamento do Estado para 2015 chegou com uma frase sintomática da ministra das Finanças: “Os cortes na despesa têm encontrado as dificuldades que são conhecidas”. Maria Luís Albuquerque falou cinco vezes, cinco, dos chumbos do Constitucional. O relatório do Orçamento tem mais alguns parágrafos sugestivos, acusando os juízes de terem usurpado o poder do Executivo para fazer o ajustamento que entendia necessário.

Será este, portanto, um Governo sem poder? Olhando para os números e para as medidas, é pelo menos um Governo esgotado: sem margem para fazer os cortes transversais em salários e pensões que marcaram os três orçamentos anteriores, sem imaginação para pegar no guião (sim, esse) e tirar dali mudanças substantivas que reduzam a despesa, sobraram as novas receitas. Há taxas adicionais na justiça, nos combustíveis, nos cigarros eletrónicos e de enrolar, sobre as bebidas e as farmacêuticas, um pouco mais também sobre o setor bancário.

Olha-se para o quadro síntese do Orçamento e procura-se a despesa. E vemos o quê?

  • Um compromisso (que é, afinal, “uma estimativa”) de colocação de trabalhadores na mobilidade: 12 mil, que era o que já estava no OE 2014 e nem a mil chegou;
  • Vemos também um limite às despesas sociais que anda a ser estudado há dois anos (e que não vale 100 milhões nem contando com as ilhas Selvagens);
  • Ainda uma redução da despesa em tecnologias que vem do tempo de Miguel Relvas (ele);
  • E aquelas rúbricas que se veem sempre e que escondem tudo: “outras medidas setoriais” (75 milhões + 13 + 190 + 14 + 51 = 343 milhões). A que se devem juntar os cortes prometidos em “estudos, pareceres, projetos, consultoria”, de 179 milhões. Tudo somado vale 522 milhões de euros, metade do valor líquido do ajustamento no próximo ano. Até um homem de boa-fé tem de duvidar.

Nestas horas muitos já disseram que este orçamento é eleitoralista. Acho que é mais grave do que isso: é o orçamento da impossibilidade, que se traduz numa pobre redução do défice estrutural de 0,1% do PIB, muito abaixo do que é obrigatório à luz do Tratado Orçamental. O valor é igual ao que apresentou François Hollande, no tal orçamento que fez a Comissão Europeia tremer de alto a baixo.

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Voltemos à conferência de imprensa de quarta-feira, quando um jornalista lembrou a revisão em alta do défice para 2,7% e o que disse o primeiro-ministro sobre isso (“não podíamos aumentar mais os impostos”). Vai daí, perguntou isto à ministra das Finanças: já não é possível cortar na despesa? Foi aí que ouvimos Maria Luís Albuquerque dar a resposta: a despesa é rígida, fazer mais só se houver consensos. Não contesto, mas temo.

Sim, este Governo chegou ao fim do caminho adiando os problemas, empurrando-os com a barriga, como muitos outros já fizeram. Perdeu na luta contra o TC, perdeu-se nas diferenças internas. Merecia uma réplica na conferência de ontem: “Se forem reeleitos, que orçamento é que conseguem fazer para 2016?”.

Espero que isto não signifique, em 2015, o reviver daqueles momentos a que já assistimos com outros, de Santana a José Sócrates, com o primeiro-ministro recém-eleito a dizer que descobriu o que não queria numas gavetas de outros tantos ministérios.

Sobretudo espero que quem vier perceba que a história não acabou aqui: ela ainda mal começou.