O recente editorial do Jornal de Angola não deixa dúvidas sobre a repulsa oficial face àquilo que considera como ingerências externas no caso das penas aplicadas pelo Tribunal de Luanda a 17 ativistas angolanos.

Em causa estão as posições tomadas pela delegação da União Europeia em Luanda, pelas embaixadas dos Estados-membros da UE nessa cidade, pelo Governo português e pela Assembleia da Republica.

Posições que o articulista designa como “violações grosseiras e inaceitáveis”, voltando a trazer à colação a “visão paternalista» e o “tratamento de menoridade” e recordando a existência de Tratados e Convenções que reconhecem “o princípio da igualdade soberana dos Estados”.

Como se constata o Jornal de Angola colocou no mesmo saco farinhas de qualidade díspar porque, no que a Portugal diz respeito, a posição – prudente – assumida pelo Governo pouco ou nada teve a ver com as moções – também elas de conteúdo e alcance diferentes – apresentadas pelo PS e pelo Bloco de Esquerda e rejeitadas na Assembleia da República.

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Como decorre da vida habitual, a nível do Executivo os interesses falaram mais alto e não esqueceram as empresas e os largos milhares de portugueses que têm em Angola um mercado preferencial nem o capital angolano investido em Portugal.

Que o PS, apesar de chefiar o Governo, tenha apresentado uma moção na AR são contas de outro rosário. Aquele que dava como garantida a rejeição dessa moção.

Voltando ao incómodo do Jornal de Angola, importa reconhecer que o Direito Internacional está dotado de normativos assentes no conceito de soberania teorizado por Jean Bodin e que aponta para que esta seja definida como a capacidade de não reconhecer igual na ordem interna nem superior na ordem externa.

Como tal, percebe-se a reação angolana. A defesa de uma decisão tomada por um órgão judicial com competências constitucionalmente definidas.

Porém, talvez não seja excessivo relacionar esta questão com uma outra. Aquela que tem a ver com a boa-governação, a separação de poderes e o normal funcionamento das instituições.

Ora, de acordo com o Índice Mo Ibrahim de Boa-Governação, Angola ocupava em 2015 o 43.º lugar entre os 54 países africanos. A média era negativa – 40,8%, tal como todas as quatro categorias que compõem o índice: Segurança & Estado de Direito – 43,8%; Participação & Direitos Humanos – 40,2%; Oportunidade Económica Sustentável – 31,6% e Desenvolvimento Humano – 47,6%.

Como este índice combina 93 indicadores e recorre a 33 instituições para a recolha de dados, fácil é concluir que a colocação de Angola na 43.ª posição não resulta de qualquer teoria da conspiração. Dito de uma forma mais direta: Angola não está a ser bem governada pela reduzida elite que se tem perpetuado no poder.

Como é lógico, a elite governante poderá sempre lembrar que as forças de oposição dispõem da possibilidade de concorrerem às eleições e, como tal, de conquistarem o Poder. Mesmo que a oposição se queixe de o MPLA se ter assenhorado da máquina estatal para funcionar como partido hegemónico.

O que parece de mais difícil aceitação é o normal funcionamento das instituições num país de onde a boa governação teima em andar arredia.

Professor de Ciência Política