Aparentemente, segundo um estudo recente, os eleitores portugueses votam cada vez mais nos líderes e menos nos partidos. A ser verdade, confirma-se o que muitos críticos da geringonça têm dito. Em 2015, António Costa era candidato a PM e sofreu uma pesada derrota. Para justificar a geringonça, as esquerdas transformaram Costa no primeiro cabeça de lista do PS ao Parlamento. Mas não resolveram o problema de fundo: a legitimidade fraca da liderança política de António Costa.

Como se tem visto nos últimos meses, as capacidades de liderança de Costa têm deixado a desejar. Lidou com os incêndios de um modo desastroso. Ficou calado após o roubo de Tancos, só reagindo, e mal, após o regresso das férias. No caso dos problemas no sector da saúde, resguarda-se atrás de ministros e de directores gerais. Precipitou-se, como se fosse um político inexperiente, no caso do jantar no Panteão Nacional. E já perdeu a autoridade perante as corporações públicas, como se viu com a greve dos professores. Dois anos de geringonça produziram um governo fraco e um Estado contestatário. O primeiro não será capaz de dizer não ao segundo. As diferentes carreiras públicas já perceberam e, se umas recebem mais, as outras vão pedir o mesmo. Mais uma vez, teremos um governo socialista a prometer recursos que não possui e que futuros governos não poderão distribuir.

Não acredito que a liderança de António Costa possa reverter esta situação de fraqueza do governo. Desde logo porque muitos no seu partido não olham para ele como um verdadeiro líder. Os autos das acusações contra Sócrates e muitas das escutas, entretanto publicadas em livros e em reportagens jornalísticas, revelam que Costa foi sempre o número dois. Mais, nunca deixou de ser apenas uma solução para a ausência de Sócrates, o verdadeiro líder do PS-pós Guterres. Na história dos socialistas, existiram até hoje três líderes indiscutíveis: Mário Soares, António Guterres e José Sócrates. Todos eles deixaram marcas muito fortes no partido. O PS Soarista já desapareceu e do PS Guterrista, já pouco resta. O PS que está no governo foi construído pela liderança Socrática. Dos ministros mais importantes do actual governo, Centeno é o único que não vem dos tempos de Sócrates. Todos os outros exerceram funções relevantes no PS de Sócrates. Por exemplo, Santos Silva e Vieira da Silva, os dois ministros mais políticos deste governo, faziam parte do núcleo duro do PM Sócrates. Muitas das outras figuras socialistas, quer no Parlamento quer em lugares mais juniores do governo, apareceram durante os anos de Sócrates à frente do PS.

Mais importante, o próprio Costa foi o número dois de Sócrates. Em política, há uma regra quase universal, um líder não é número dois. No PS, Soares, Guterres e Sócrates nunca foram o número dois. Almeida Santos, Jorge Coelho foram números dois e não chegaram a líderes. Passa-se o mesmo no PSD. Sá Carneiro e Cavaco nunca foram números dois. Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Passos Coelho também nunca foram números dois. Os famosos números dois, como Fernando Nogueira ou Dias Loureiro, nunca chegaram a líderes (apesar de Nogueira ter estado à frente do PSD).

Obviamente, muitos dos líderes foram próximos de outros líderes no passado. No PS, Sócrates foi próximo de Guterres, mas não foi o seu número dois. No PSD, Cavaco foi próximo de Sá Carneiro e Durão Barroso foi próximo de Cavaco, mas nunca foram números dois. Se olharmos para a política de outros países, verificamos fenómenos semelhantes. Rajoy nunca foi o número dois de Aznar. E Zapatero nunca foi o número dois de Filipe Gonzalez. Sarkozy nunca foi o número dois de Chirac, pelo contrário tornou-se líder contra a vontade do seu antecessor, e Macron era próximo de Hollande mas nunca foi o seu número dois. Merkel foi próxima de Kohl, mas nunca o número dois. Gordon Brown foi sempre o número dois de Blair, e nunca se afirmou como líder. Ao contrário, Blair nunca foi o número dois de outro líder. Os verdadeiros líderes politicos chegam às lideranças sem passarem pela posição de número dois. A proximidade a outros líderes não os impede de traçarem percursos politicos autónomos. Quando chega a hora da verdade, afastam os rivais da mesma geração, os quais muitas vezes se tornam os números dois. Foi o que aconteceu no PS em 2004. Sócrates avançou para a liderança e Costa tornou-se o número dois.

Com as informações que, entretanto, vieram a público, entendemos melhor a história do PS desde que em 2011, Sócrates abandonou a liderança do partido. António José Seguro esteve à frente de um partido que, maioritariamente, não era seu e não gozou de tempo suficiente para formar o seu partido. Costa avançou para a liderança do partido com o apoio dos socráticos e do próprio Sócrates, mas nunca conseguiu, até hoje, construir a sua autonomia política em relação ao PS de Sócrates. Os problemas com a justiça impediram Sócrates e os seus de cumprirem o plano de fazer regressar o antigo PM à liderança dos socialistas. Hoje, o PS de Sócrates aceita a liderança de Costa porque não tem alternativa e quer continuar no poder. Costa está a substituir o líder porque não há outro e porque Sócrates não pode liderar o PS. Neste momento, o PS socrático não tem alternativa. Mas eles sabem que o PM não é o verdadeiro líder do seu partido. Cada vez que comparam o modo como Sócrates e como Costa lidam com as crises e com os maus momentos, sabem que o actual PM não passa de um remendo.

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