De acordo com o Estudo de Natal da Deloitte, este ano na sua 20ª edição, perto de 9 em cada 10 portugueses continuam a preferir realizar as suas compras em lojas físicas, maioritariamente em centros comerciais. Quando inquiridos sobre a sua preferência pelos espaços físicos de retalho, os portugueses apontam como principais causas o aconselhamento em loja, o serviço pós-venda e a política de trocas e devoluções.

Vários fatores são comumente apontados como causa para a menor penetração do comércio eletrónico em Portugal:

  • Os nossos horários de abertura são particularmente alargados: 39% dos inquiridos em Portugal indica que este é um fator que os atrai às lojas físicas, comparado com 9,4% na Alemanha ou 11,8% na Polónia;
  • A compra em lojas físicas ainda é vista como um ato social, do qual se retira satisfação e prazer, segundo 77,2% dos inquiridos em Portugal;
  • O rendimento médio dos agregados familiares portugueses é baixo relativamente à generalidade dos países analisados, o que restringe a viabilidade de modelos de distribuição com maiores custos logísticos.

Mas o estudo evidencia também o quanto têm evoluído os hábitos e preferências que vimos a acompanhar nos últimos 20 anos, apontando a possibilidade de mudanças ainda mais profundas nos próximos anos.

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Por um lado, a proporção de inquiridos que afirma nunca ter realizado compras online foi de apenas 11% este ano, comparado com 16% o ano passado. A experimentação aumenta à medida que mais nativos digitais ascendem aos mercados de consumo e que os retalhistas vão melhorando a experiência de uso e segurança, em particular em plataformas móveis. Somos também um mercado comparativamente pequeno, em que a entrada de um operador individual pode ter um impacto significativo numa determinada categoria. Veja-se, por exemplo, a forma como a entrada da Pixmania em Portugal, há pouco mais de 10 anos atrás, acelerou na altura a penetração do online nas categorias de eletrónica e tecnologia.

Por outro lado, a “omnicanalidade” tornou-se o padrão do processo de compra, dando ao consumidor mais informação, maior exigência e menor tolerância a eventuais inconsistências na interação com os retalhistas, nos vários canais e pontos de contato.

As jornadas de compra são hoje permanentemente acompanhadas de dispositivos digitais móveis, através dos quais se procuram ideias, pedem sugestões e comparam preços. Os consumidores contactados no âmbito do Estudo de Natal da Deloitte referem os motores de pesquisa (36%) e as redes sociais (34%) como fontes para obtenção de ideias e conselhos sobre presentes de Natal com uma frequência comparável à televisão (36%), atrás apenas das lojas físicas (65%). Na categoria de eletrónica de consumo (tecnologia, wearables, etc) os canais digitais são já identificados como a principal fonte de influência dos consumidores portugueses.

Os 3Ls de vantagem competitiva do retalho (location, location, location) deram lugar aos 3As: anything, anytime, anywhere. Para se manterem relevantes para os consumidores e continuarem a merecer a sua preferência, os fabricantes e distribuidores precisam agregar valor ao produto por via de experiências de consumo distintivas, personalizadas e sensíveis ao contexto.

A Science4You, por exemplo, combina canais de venda própria, em lojas físicas e online, com a presença nos principais retalhistas na sua categoria, como sejam a FNAC em Portugal ou a Target nos EUA. Grande parte da estratégia de expansão da empresa passa inclusivamente por encontrar, em cada mercado, o mix de canais que melhor serve os hábitos e preferências dos consumidores locais de forma sustentável e financeiramente viável. Enquanto em Portugal o e-commerce representa apenas 1% das suas vendas, a nível internacional o mesmo indicador ascende a 10%, através das vendas na Amazon.

Estes são também tempos particularmente desafiantes para as equipas de gestão. Com cada mercado e segmento a evoluir de formas e a ritmos distintos, torna-se difícil precisar os ativos e as capacidades que terão mais impacto no consumidor. Por outro lado, a flexibilidade e a rapidez de atuação tornaram-se o elemento crítico de diferenciação no mercado, obrigando as empresas a rever os paradigmas profundamente enraizados na respetiva cultura organizacional. Por muito difícil que seja, a mudança é hoje essencial para nos mantermos relevantes aos olhos do consumidor.

Miguel Pina Martins é CEO da Science4You e Pedro Miguel Silva é sócio da Deloitte