Este ano, Mario Draghi não deixou uma prenda tão boa no sapatinho como em anos anteriores. Do outro lado do Atlântico a senhora Yellen e o senhor Trump também não têm ajudado. Mas até onde podem subir os juros da dívida sem levar Portugal a um novo resgate? Até aos 5% ou 5,5%?

Depois de o BCE ter anunciado, na semana passada, a extensão do seu programa de compra de activos até (pelo menos) ao final de 2017, os juros da dívida pública portuguesa foram dos que mais subiram – chegando até a perto dos 4% no início desta semana. Esta extensão não constituiu propriamente uma surpresa, já que a redução do montante de compras mensal acabou por ser interpretado como um sinal de que o BCE deu agora o primeiro passo para reduzir, ainda que gradualmente, os estímulos.

De qualquer forma, para o ano, Portugal pode ainda contar com a ajuda do senhor Draghi, já que o BCE poderá comprar praticamente o equivalente ao que o IGCP espera emitir: o BCE irá comprar no próximo ano cerca de 780 mil milhões de euros de dívida publica. Deste montante, 15,5 mil milhões de euros deverão ser destinados a comprar divida portuguesa, praticamente o mesmo montante que o IGCP espera emitir em dívida de médio e longo prazo.

Em bom rigor, o montante comprado pelo BCE poderá ser inferior já que os limites de compras por mercado e por emissão não foram alterados e Portugal é dos países mais próximos. No entanto, o montante “líquido”, ou seja, a diferença entre a nova dívida emitida, as emissões que vencem e as compras do BCE, será negativo em cerca de seis mil milhões de euros.

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Portanto, teoricamente, com menos oferta líquida o preço da dívida deveria subir e as yields descer. Mas será que é isso que vai acontecer?

Dificilmente. Antes de mais, para grande parte dos investidores a decisão de investimento em dívida pública europeia é sempre relativa. E apesar de a oferta líquida diminuir para Portugal, também deverá diminuir para os outros países – em maior escala até, já que não só têm menores necessidades de financiamento como estão mais longe dos limites definidos pelo BCE. Além disto, os investidores de dívida pública tendem a olhar principalmente para o médio longo prazo (em teoria), portanto, à medida que a inflação vai recuperando, não só na Zona Euro mas também noutras economias como os EUA, o mercado irá começar a antecipar menos estímulos do BCE, ou seja, uma nova redução das compras.

E qual é o número mágico?

Muito se tem voltado a falar sobre qual será o novo número mágico a partir do qual a dívida pública se torna insustentável. Sempre que algum decisor político fala em algum valor, costuma ser uma questão de meses até que ele seja atingido: em 2010, Fernando Teixeira dos Santos falava dos 7% e, poucos meses depois, com as yields a passarem esse valor, foi obrigado a pedir ajuda externa. Já em 2013, Rui Machete fixou os 4,5% como o limiar para a saída limpa – neste caso, com a ajuda do BCE, os juros da divida acabaram por descer e Portugal até abdicou da última tranche do programa.

E agora? Tendo em conta a evolução das finanças públicas e da economia qual é a nova linha vermelha? Até agora, Mário Centeno e a sua equipa têm evitado (e bem) ficar amarrados a qualquer linha vermelha. Mas, a DBRS já disse, e depois desdisse, que via os 4% como o nível a partir do qual baixaria o rating – uma espécie de profecia auto realizada, principalmente nas actuais circunstâncias, já que ela própria, de certa forma, determina a taxa de juro.

Provavelmente, o valor é mais alto do que 4%, mas abaixo dos 7% de Teixeira dos Santos. Fazendo uma simples simulação partindo dos pressupostos do Governo no Orçamento do Estado (OE) para 2017, chega-se a 5% – o número que provavelmente Mário Centeno terá como referência quando actualiza os seus terminais e que lhe tirará o sono.

Se Portugal mantiver o nível actual de crescimento nominal, cerca de 3%, e, tal como está no OE atingir em 2017, e mantiver um superávit primário de 2.8% do PIB em 2017, a sensibilidade às taxas de juro da nova dívida emitida é bastante reduzida. A taxa de juro implícita (taxa de juro média de todo o stock de dívida) é de cerca de 3,5% e até tem vindo a descer desde os 4% de 2013, fruto dos baixos juros dos empréstimos europeus e da descida da taxa de juro das emissões dos últimos dois anos.

Tendo em conta que o montante a refinanciar por ano corresponde a menos de 10% do total da dívida pública, a despesa com juros demora a aumentar. Traduzindo isto por números e de uma forma simplista: partindo dos pressupostos do OE, só se os juros da nova dívida emitida em 2017 atingirem em média os 25% (!) é que a a dívida pública em percentagem do PIB aumenta face a 2016. Neste caso, a taxa de juro implícita chega aos 5%. Isto é algo praticamente impossível de ocorrer no espaço de um ano, mas caso a taxa de juro da nova dívida suba para estes mesmos 5%, a prazo, a dívida começará de novo a subir – cerca de oito anos tendo em conta a maturidade média actual.

E quando se fala em sustentabilidade da dívida, olha-se para o longo prazo. Por isso, caso as taxas de juro subam devido a factores permanentes, quer externos, quer internos, é natural que o mercado incorpore que essa subida seja também permanente. Tendo em conta a situação frágil da economia e das finanças publicas portuguesas, não tardará muito para que, tal como em 2011, o mercado se possa fechar. E como as contas feitas no Excel dos vários analistas não serão muito diferentes destas, é provável que os alarmes disparem caso as taxas de juro subam para os 5% (o que equivale provavelmente a uma taxa de 5,5% a dez anos) de uma forma permanente — partindo do principio que o crescimento se mantém nos níveis actuais e que o superávit primário de 2,8% do PIB não só é atingido, como se mantém.

Por isso, embora Mario Draghi tenha deixado mais uma vez um presente no sapatinho, já não foi tão generoso com Portugal como no passado. E, pior, tudo indica que o irá ser cada vez menos no futuro. O Banco de Portugal já estimou que o programa de compra de activos reduziu as taxas de juro de longo prazo em cerca de 200 pontos. Portanto, se somarmos este valor aos cerca de 3% de taxa média actual, chegamos mais uma vez aos mágicos 5%.

Portanto, Portugal (e o Governo) devem preocupar-se principalmente com o que está ao seu alcance (défice e crescimento), e menos com discussões contraproducentes como a reestruturação da dívida. Tal como referiu ontem o Banco de Portugal no seu relatório de Inverno, Portugal deve aproveitar o tempo que voltou a ser oferecido pelo BCE. E já que o crescimento apenas depende marginalmente do governo, e dificilmente passará dos 3%, em bom rigor ate será mais provável que seja mais baixo, resta o saldo primário.

Se o superávit aumentar para 4% do PIB, então Portugal até poderá suportar taxas de 6%. Por outro lado, se se mantiver nos 1,9% do PIB esperados para 2016, a margem é menor e a linha vermelha desce para os 4,5%. Teoricamente, o governo até incluiu no último PEC (programa de estabilidade e crescimento) uma previsão de um superávit primário médio de perto de 4% do PIB até 2020 e um crescimento do PIB bem acima dos 3% por ano. Mas, claro, isto foi antes da apresentação do OE para 2017 e de o governo ter reconhecido tacitamente que o mundo afinal tinha mudado.