O Brasil está em pedaços. Nem a tripartição dos poderes está escapando ilesa. Crise política, crise econômica, crise moral. Nenhum brasileiro tem dúvidas acerca disso e praticamente todos estão absolutamente transtornados. Ocorre que, por maior que seja o nosso sentimento de injustiça, vergonha ou raiva, nós não conferimos aos outros países o direito de apontar ou gritar impropérios a nosso respeito.

Venho reparando que Portugal comporta-se de forma bastante diferente nesse aspecto. Li na semana passada um artigo da BBC dizendo que Portugal é um país que ama estar triste e onde ninguém deseja um bom dia aos outros. Apesar de discordar da opinião do jornalista norte americano, o que mais me assusta é ver vários portugueses endossarem tal opinião.

No ano passado foi um jornalista inglês que classificou a cozinha portuguesa como a pior do mundo (logo um inglês…). Nesta ocasião alguns portugueses questionaram, mas ainda assim de forma bastante leve, comparada às reações brasileiras em situações análogas. Este ano, durante a Euro, um jornal francês mencionou que “Esse Portugal nojento está nos quartos de final”. Foi também um jornalista francês quem entrevistou Marcelo Rebelo de Sousa há alguns meses sem fazer ideia de que falava com o Presidente.

Às vezes eu tenho a sensação de que Portugal tornou-se uma espécie de saco de pancadas- especialmente na Europa-, no qual todos julgam poder bater de forma impune. Experimente pesquisar o que aconteceu com o jornalista canadense que resolveu falar mal do café brasileiro durante os jogos olímpicos. Em menos de 24 horas julgo que ele se arrependeu de cada uma das suas palavras.

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Quando escrevi sobre as coisas que o mundo inteiro deveria aprender com Portugal, ouvi de mais de um português que o artigo só foi valorizado por ter sido escrito por uma estrangeira. Isso me causou muita surpresa, uma vez que não existe ninguém melhor para falar sobre as qualidades de um país do que seus próprios nacionais. Mas me disseram que em Portugal essa lógica não funciona. Que soaria ridículo. Não sei se é verdade, mas sei que não deveria ser assim.

Eu me pergunto até quando Portugal vai apanhar em silêncio. Até quando Portugal vai valorizar as opiniões negativas externas ao invés de questioná-las? Até quando a crise econômica vai permitir que a auto estima dos portugueses seja tão baixa? Até quando dívidas financeiras serão confundidas com dívidas morais? Até quando um país tão fantástico se deixará ser tratado como um país de segunda categoria?

Quando começo a dar aulas de Direito Internacional aos meus alunos, inicio o curso falando sobre soberania. Digo a eles que a noção de soberania não se esgota no livre arbítrio de um Estado, nem no respeito às suas normas. A soberania também envolve o respeito que aquele Estado tem perante a comunidade internacional. Respeito pela sua cultura, pela sua história e pelo seu povo. Sem respeito não há soberania.

Gostaria de ver Portugal ser respeitado como merece. Gostaria de ver a imprensa internacional pensar duas vezes antes de escrever determinadas coisas. Gostaria de saber que Portugal só sente que deve o que efetivamente deve e nem um cêntimo a mais. Um país com estes queijos, estes vinhos, este clima, estas praias, esta história e este povo nunca deveria ter permitido que o tratassem como se fosse pouco. Ainda há tempo.

Ruth Manus é advogada e professora universitária e assina um blogue no jornal Estado de São Paulo, “Retratos e relatos do cotidiano”.