Dia 4 de Abril: o Ministério das Finanças aplica uma cativação de 7% das receitas das instituições de ensino superior, reduzindo o seu orçamento em 57 milhões de euros. Dia 6 de Abril: o caso é notícia e o conselho de reitores (CRUP) exige, em comunicado, a “urgente reversão deste processo anómalo”, alertando para as “gravíssimas consequências” da sua manutenção para o funcionamento das universidades públicas em 2016. Dia 8 de Abril: o Governo recua na sua intenção de cativar parte das receitas, devolvendo os 57 milhões de euros às universidades e aos politécnicos.

Outro exemplo, este sob a tutela do Ministério da Educação: o exame do 6.º ano, que António Costa garantira no Parlamento ser para manter, foi dias depois eliminado sob a pressão da Fenprof. A lista de avanços e recuos continua – no imposto sobre os combustíveis, nos transportes, no BES. E o interesse destes casos não está na decisão em si (sobre a cativação das verbas ou o exame do 6.º ano) – esses são outros debates. O ponto de relevância política comum a estes (e outros) episódios concentra-se no processo de decisão: reiteradamente, o governo decide uma coisa e, sob efeito de pressão corporativa ou mediática, em poucos dias recua nas suas intenções. É demais para ser coincidência. E é suficiente para ser padrão e modus operandi: o fio condutor do governo passa por não arranjar chatices com ninguém, pelo que se dispõe particularmente a ser influenciado e pressionado.

Dito de forma directa e simples, António Costa e os seus ministros governam em modo de campanha eleitoral – agradar ao máximo às corporações, desagradar ao mínimo a opinião pública, evitar sempre que possível protestos organizados. Não é crime, não é nada de anormal e compreende-se que as circunstâncias políticas do governo propiciem esse género de estratégia. Mas o facto de não ser nada de anormal não retira à situação o seu carácter problemático: ter um governo em modo de campanha eleitoral é um risco demasiado grande – para o país e para António Costa.

O risco relaciona-se com duas regras não-escritas da política portuguesa. Primeira regra: quando um governo pensa em eleições, suspende as reformas estruturais, precisamente para comprar a paz com as várias corporações que rodeiam o Estado. Vimos isso, por exemplo, com Passos Coelho, que após a saída da troika, em 2014, suavizou o ímpeto reformista do seu governo. Segunda regra: quando um governo pensa em eleições, a necessidade de satisfazer clientelas e corporações fá-lo ceder à tentação de gastar mais dinheiro (e desequilibrar as contas públicas). Vimos isso, por exemplo, com Sócrates em 2009, quando preparou a ida às urnas com aumentos nos salários da função pública – para, no ano seguinte, cortar esses mesmos salários.

Ora, o governo de António Costa, em meros 4 meses de exercício, revelou-se disponível para confirmar estas duas regras. Dizimou a ideia de reformas estruturais, reduzindo-a a uma brincadeira em formato powerpoint. E tem sacrificado as contas públicas a favor da satisfação de várias corporações – as universidades, os professores, a função pública, os taxistas, os transportadores, entre outros – com um acumular de cedências que, inevitavelmente, farão transbordar o copo e arrastar as contas públicas para fora da rota de consolidação. Pergunta sem resposta: os 57 milhões de euros, alvos de cativação nas universidades e politécnicos por fazerem falta para o equilíbrio das contas públicas, virão agora de onde?

Tudo isto só pode dar mau resultado. Um governo que vive entre avanços e recuos é um governo que decide em função das capas dos jornais. E se António Costa sacrificar a economia portuguesa e as finanças públicas em nome de duas ou três causas corporativas, ninguém lhe perdoará. Nem Marcelo, que nas entrelinhas o informou disso mesmo na sua comunicação sobre o orçamento de estado. Nem o país, que está cansado de políticos dispostos a cavar um abismo à sua volta só para ficar no topo. Afinal de contas, o futuro de António Costa está intimamente relacionado com o do país – se correr mal ao país, corre mal para ele. E é bom que não se esqueça disso.

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