Começo com uma declaração de interesse: o banco em causa é meu cliente há muitos anos, mas, também, quase todos o são ou foram. E servem estas linhas como resposta a uma alocução feita por uma jovem deputada sobre a questão da banca pública e da banca do Estado que me pareceu, para além de muito incorreta em termos teóricos, muito incorreta para os milhares de profissionais que todos os dias se levantam cedo para ir trabalhar para um banco. E, por estes, resolvi destacar um dos bancos que não vai levantar grandes problemas à concorrência. Estou a falar da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mafra.

Poucas pessoas fora do concelho de Mafra terão a noção, mas a Caixa de Mafra não faz parte do grupo Crédito Agrícola. É um banco de pleno direito, com mais de meio século de existência que presta o serviço da banca às pessoas que residem no concelho, que não nega a ninguém a chamada “banquerização” (a inclusão de todos nos serviços bancários) pelos seis balcões que tem. É, obviamente, um banco privado detido pelos seus mais de 5000 associados e a sua gestão de risco é tão eficiente que pode dizer que tem mais de 30% de “rácio Tier 1”, o triplo exigido pelo BCE e cumprido pela esmagadora maioria dos seus concorrentes nacionais, inclusive o banco cujo único acionista é o Estado.

Do ponto de vista da população de Mafra, que tem o privilégio de ser servida por este banco, há um banco, com serviço público, que serve os seus interesses e que, para mais é o mais seguro de Portugal. Isto admitindo que os critérios do Banco de Portugal são importantes para determinar a solidez de um banco, o que não é líquido. Os seus mais de 30000 clientes não parecem particularmente incomodados pelo facto de não serem todos acionistas do banco, atendendo que o serviço que lhes é prestado é, pelo menos, tão bom como o do banco do Estado e, mais uma vez a acreditar nos números do Banco de Portugal, é três vezes mais seguro.

A nacionalização da Caixa de Mafra não traria, obviamente, nenhuma vantagem às populações que serve. Pelo contrário. Por uma razão muito simples que parece escapar às cogitações da famosa deputada: público é uma coisa, Estado é outra coisa que não tem nada a ver. É verdade que a banca é um sistema de interesse público, mas tal pode ser dito de qualquer negócio, senão não seria negócio. Toda a atividade económica tem um interesse público intrínseco. Pensar em colocar toda a atividade económica como propriedade do estado é um disparate que já muito pouca gente consegue defender, tal as catástrofes que isso já gerou por esse mundo fora.

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E o inverso é também verdadeiro. Há muita coisa do Estado que não é pública. O Colégio Militar, por exemplo, ou as universidades do Estado, não se destinam a toda a gente, mas apenas a quem pode. Não decorre daí nenhuma menorização da sua valia para a vida do país, porque os seus resultados têm um valor público, ainda que o seu acesso não o seja.

Reclamar que a banca seja nacionalizada é um disparate como poucos. A banca serve para servir o país, não para servir o Estado. E como vemos em inúmeros exemplos, dos quais entendi destacar um, ser do Estado pode ser exatamente o caminho inverso daquele que queremos seguir se queremos que algo seja “público”, isto é, acessível a todos em igualdade de circunstâncias. O facto de ter havido a necessidade de capitalizar alguns bancos para que estes pudessem contar nos seus números com um terço daquilo que tem a Caixa de Mafra, tal não foi feito em defesa dos seus acionistas, como é insinuado por muita gente. Esses atos de capitalização em muito destruíram o valor dos acionistas que perderam quase tudo e, em muitos casos, levaram a perdas significativas de rendimento dos seus trabalhadores. Isto para não falar dos seus órgãos de gestão, claro. Quando as vozes populistas falam em “salvar bancos”, a verdade é que aquilo que foi feito foi salvar apenas um dos intervenientes no processo de negócio da banca: você, que ainda está a ler este texto. Se o Estado meteu dinheiro nos bancos foi porque o dinheiro do país estava nesses bancos. Mas o dinheiro que o Estado lá meteu, é dinheiro do país, não é do Estado, pelo que o Estado não fez favor a ninguém. A não ser que achemos que quem manda no Estado é nosso dono, coisa que quero acreditar, não passa pela cabeça dos deputados mais radicais. Continuo, no entanto, a estranhar que nenhum destes especialistas que quer nacionalizar a banca se questione da razão pela qual é necessário capitalizar os bancos. Mais, capitalizar os bancos naqueles montantes específicos e não noutros. E não perceba que o problema pode estar exatamente aí.

Uma palavra final para a jovem deputada que ganhou fama como “especialista de banca”. Tentou ler alguma coisa do assunto e quis informar-se. A fama decorre da nossa visão degenerada de achar que a jovem, cuja ocupação é política, pode saber mais do que milhares de pessoas que trabalham no assunto todos os dias há dezenas de anos. Obviamente, não pode. E é essa degenerescência que nos faz olhar para o Estado como se fosse o país, que nos faz esquecer os casos como a Caixa de Mafra.

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer