Durante várias décadas, a Espanha conviveu dolorosamente com o terrorismo independentista da ETA. Um terrorismo com origem no País Basco, sobretudo do lado espanhol embora também a parte francesa tenha estado envolvida.

No entanto, o desmantelamento da ETA não significou o fim do terrorismo em terras de nuestros hermanos devido ao terror assente em motivações religiosas, como ficou provado pelo atentado de 11 de março de 2004 em Madrid, mais concretamente junto à estação de Atocha.

Barcelona não constava até agora entre os alvos atingidos, tanto pelo terrorismo independentista como pelo terrorismo dito religioso. Uma regra que conheceu uma atroz exceção no dia 17 de agosto de 2017, por força de um duplo atentado.

A morte desceu às Ramblas sob a forma de um veículo lançado intencionalmente contra a multidão que, como decorre da vida habitual, calcorreia o centro nevrálgico de Barcelona. Ramblas sempre cheias e onde se repete a toda a hora um estranho jogo do gato e do rato entre a polícia municipal – os moços de esquadra – e imigrantes africanos que se dedicam à venda ambulante de materiais contrafeitos.

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Parecendo evidente que o facto de a Catalunha ter um referendo independentista – proibido pela Constituição Espanhola – agendado para o início de outubro nada teve a ver com o atentado, importa perceber as razões que estiveram na origem da barbárie. Uma explicação que não funciona como sinónimo de justificação porque nada pode justificar o assassínio de inocentes. Vítimas que foram tratadas abaixo da condição dos animais. Estes, na cultura a que os terroristas afirmam pertencer, quando são mortos têm direito ao abate halal. Aquelas foram assassinadas por atropelamento. Trucidadas sem dó nem piedade. Com ódio.

Voltando às causas do crime, haverá quem valorize o facto de Espanha manter dois enclaves – Ceuta e Mellila – no território do Islão. Outros lembrarão que a construção de Espanha foi feita à custa da expulsão dos muçulmanos e que o Daesh proclamou a sua intenção de recuperar o Al-Andaluz.

Porém, na minha opinião, a explicação tem a ver com a certeza terrorista de que com um fraco investimento existe uma elevada probabilidade de sucesso desde que estejam reunidas três condições.

Primeiro, ao nível do planeamento, pois não se afigura difícil alugar o veículo que vai ser usado no atentado. Há sempre a hipótese de o aluguer ser feito no nome de alguém que não esteja na mira dos serviços de informações.

Segundo, no que concerne à execução, uma vez que o número de operacionais é limitado. Um lobo solitário ou uma pequena célula é suficiente. Basta saber conduzir porque a predisposição para mártir está assegurada.

Terceiro, ao nível dos fins que servem os interesses dos terroristas porque um número elevado de vítimas está, à partida, garantido. Tal como a visibilidade mediática. Por isso, um galego que também se assumia como espanhol, Fraga Iribarne, escreveu que as imagens do horror e o sofrimento que desencadeiam faziam parte da estratégia terrorista.

Uma tática já usada em atentados noutros países – França, Inglaterra e Alemanha – e sempre com os resultados pretendidos pelo Daesh.

Ora, face ao exposto, até admira que Barcelona, uma cidade cosmopolita, tivesse escapado tanto tempo à fúria terrorista a menos que os serviços de segurança tenham conseguido evitar tentativas anteriores. Afinal, depois do atentado de Atocha, já foram detidos e monotorizados cerca de sete centenas de presumíveis jihadistas.

Só que a atenção dos serviços de segurança e a partilha de informações a nível comunitário nunca serão suficientes para eliminar totalmente a ocorrência de atos terroristas. Há, por isso, que atuar ao nível das causas que provocam a radicalização sem cair no choradinho habitual de quase desculpar os terroristas ao considerá-los como vítimas de uma sociedade que não lhes concedeu oportunidades.

Uma tarefa trabalhosa e de resultados nem sempre seguros como se percebeu no caso inglês quando a atual primeira-ministra, Theresa May, coordenou um projeto nesse sentido. Porém, um trabalho que não poderá deixar de ser feito e de uma forma sistemática.

Urge, igualmente, refletir sobre as palavras de Fraga Iribarne relativamente ao contributo que a sociedade-espetáculo está a dar à causa terrorista.

Importa, finalmente, não ceder à chantagem terrorista. Perder a confiança nas instituições democráticas. Desacreditar em Schengen. Aceitar que seja o terrorismo a decidir a forma como vivemos e os valores que norteiam a nossa civilização. Mais do que a solidariedade presente na frase: «somos todos Barcelona», impõe-se o grito coletivo: «não queremos ser Daesh».

Com o terrorismo não se negoceia. Um terrorista não tem palavra nem percebe a Palavra em nome da qual mata.

Professor de Ciência Política na Universidade Lusófona