Hoje, 02 de Fevereiro de 2016, Mikhail Gorbatchov, primeiro e último Presidente da União Soviética, celebra 85 anos, ocasião aproveitada por ele para falar da situação na Rússia e no mundo.

Num artigo publicado no jornal “Novaya Gazeta”, um dos arquitectos do fim da “primeira guerra fria”, constata que vivemos num mundo cada vez mais perigoso, “onde os líderes das grandes potências mostraram não estar prontos para as crises e convulsões dos últimos anos”.

Para Gorbatchov, “tudo começou quando foi proclamada ‘a vitória do Ocidente’ na guerra fria”, frisando que “a vitória comum sobre a guerra fria foi considerada um triunfo por uma das partes, a quem agora “tudo é permitido””. “Aqui está a raiz da actual confusão global”, conclui.

Após apontar os problemas mais importantes das relações internacionais — a luta contra o terrorismo e a segurança europeia –, o antigo líder soviético continua considerando ser indispensável a cooperação entre a Rússia e o Ocidente para a sua solução de crises como a que se vive na Síria.

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Ao mesmo tempo que apoia a política externa do Presidente Putin, aquele que tentou reformar o sistema comunista no seu país, dar-lhe um rosto mais humano, faz fortes críticas à sua política interna. Ao contrário do actual dirigente russo, que culpa as “forças externas” dos problemas da Rússia, criando assim um ambiente paranoico de “fortaleza cercada”, Gorbatchov afirma que “somos o principal responsável” pela profunda crise socioeconómica no país.

O último líder soviético apela, no fundo, a Putin que faça o mesmo que ele fez quando Presidente da URSS: “Hoje, falta-nos o principal: a democracia. Estou convencido de que sem o processo democrático, sem a ampla participação das pessoas na busca de soluções, não conseguiremos sair do círculo vicioso sem saída para o qual nós próprios nos empurrámos”.

O recado não pode ser mais claro: “Hoje é evidente que o actual modelo de governo não funciona: nem na política, nem na economia. Não há ideias alternativas. Não há renovação de quadros. Não se pode concentrar todas as decisões na mão de um só homem. Ninguém é dono da verdade em última instância”. Gorbatchov não precisa de citar o nome, porque qualquer pessoa minimamente informada sabe de quem se trata.

Isto certamente não fará aumentar a já baixa popularidade do ex-Presidente soviético no seu país. Segundo um estudo do Levada Center, 67% dos russos considera que o resultado da política de Gorbatchov foi negativo. Em 2012, esse número era de 50%. Apenas 12% dos inquiridos considera que na era da perestroika e da glasnost “havia aspectos mais positivos do que negativos”.

Não é de estranhar, tanto mais quando Gorbatchov continua a ser alvo de campanhas de difamação. O famoso realizador de cinema Nikita Mikhalkov, conhecido por pretender a ser um dos “líderes espirituais da nação”, considerou que a política de Gorbatchov e do seu sucessor, Boris Ieltsin, deveriam ser oficialmente consideradas “criminosas”, frisando que “sem Putin não existiria a Rússia”. Escusado será dizer que, quando Gorbatchov estava no poder, Mikhalkov não tinha coragem para afirmar tal coisa.

Trata-se de um autêntico caso de “prostituição política”, problema que frequentemente afecta não só a intelectualidade russa. Mas a história não acaba hoje, vai continuar. Talvez um dia, penso que não muito em breve, os seus concidadãos terão mais orgulho em Gorbatchov do que em Estaline ou Putin. O futuro dirá.

Não obstante tudo isto, e também porque vivi na União Soviética de Mikhail Gorbatchov, porque vi um país libertar-se de uma longa ditadura comunista e porque tive a felicidade de contactar pessoalmente com ele algumas vezes, acho-me no direito de dizer: C днем рождения, Mихаил Cергеевич! (Feliz aniversário, Mikhail Sergueevitch!)