Quando vou às compras faço uma lista de compras. À medida que compro o que está na lista risco o que lá estava. Quando acabo, a lista está toda riscada. À saída do supermercado, deito-a fora. Este modo de acção é muito comum. Não me passaria pela cabeça conservar as listas de compras que já não uso.

Certas causas políticas são como listas de compras. Ao longo dos últimos duzentos anos, houve listas de compras sobre tópicos tão variados e complexos como a abolição da escravatura, a supressão de barreiras alfandegárias ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por várias razões, aliás muito diferentes, em muitos sítios onde se fizeram estas listas os objectivos foram atingidos. Quando tal acontece, as organizações promotoras extinguem-se; as paixões desaparecem. Um movimento para a legalização do voto feminino em Portugal despertaria hoje menos entusiasmo que a minha lista de compras da semana passada.

Imaginemos agora um outro tipo de lista de compras: em vez de alguém escrever ‘batatas’ ou ‘meio quilo de batatas’ escreveria ‘batatas para sempre’, ‘√2 de batatas’, ou mesmo ‘a melhor batata do mundo’. Este tipo de listas, como observou uma filósofa, enche-me a cabeça de ideias; mas não sei exactamente que ideias são. Certas causas políticas são como listas de compras deste segundo tipo: ‘liberdade, igualdade, fraternidade’, ‘paz, pão e terra’, ‘saúde, dinheiro e amor’.

Os dois tipos de causas políticas têm vidas e funções diferentes. O primeiro  tipo contém instruções fáceis de seguir ou objectivos fáceis de perceber; mas, em compensação, tem um prazo de validade curto. Os seus programas políticos são como listas de compras normais, e tendem a acabar no lixo: quer porque não são executáveis no prazo, quer porque foram executados com êxito. Especialmente no segundo caso podem provocar alterações na vida de muita gente.

Pelo contrário, causas como ‘Liberdade, igualdade, fraternidade’ dão a impressão de ser eternas. Esta impressão de eternidade deve-se ao facto de serem listas de compras incompreensíveis. ‘Liberdade, igualdade, fraternidade’ é tão incompreensível como a lista de compras ‘a melhor batata do mundo, tudo menos pimenta, xwfrghhr.’ Existe uma relação importante entre parecer eterno e ser incompreensível.

Quando não percebemos uma frase que queremos perceber fazemos esforços para a tornar compreensível. Chama-se a isso interpretação. A interpretação em questões de política consiste em fazer algumas causas políticas incompreensíveis (‘igualdade’) gerar causas políticas compreensíveis (‘não deve haver tribunais especiais para pessoas muito altas’). Mas, porque se refere a causas incompreensíveis, a interpretação é sempre de alívio precário; e o processo recomeça pouco depois a propósito de outra coisa qualquer (‘deverão os astrólogos da administração pública trabalhar o mesmo número de horas que os astrólogos das consultoras privadas?’). Ao contrário das batatas, nunca parece haver dinheiro, paz ou igualdade em quantidades satisfatórias.

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