Apesar do que se possa ter contra Centeno, e é verdade que por vezes parece um pouco tonto, sobretudo nas conferências de imprensa, pelo menos não carrega o sorriso irritante e trocista de António Costa (e não é pouca coisa). Ao contrário, por exemplo, de Catarina Martins quando tenta ser uma espécie de Vice- PM e de replicar o estilo Costa. Falta-lhe, porém, a habilidade e a naturalidade do PM, e os portugueses não conseguem deixar de pensar no seu passado de actriz. Mas voltando ao nosso ministro das Finanças, conheceu um momento político relevante e raro quando afirmou, durante a semana, que trabalha dia e noite para “evitar um segundo programa.” Foi imediatamente atacado por muitos pela sua imprudência, mas outros elogiaram uma suposta sinceridade. Julgo que Centeno não foi imprudente nem sincero. Ele sabe muito bem que será altamente improvável o nosso país cair num segundo programa. Mas mostrou que já aprendeu a lição política do seu chefe. Discutir cenários negativos (e muitas vezes a oposição ajuda o governo), e depois recolher os louros por ter evitado o pior. Foi assim com as sanções e com a recapitalização da Caixa.

Como todos os aprendizes, Centeno exagerou um pouco e falou da palavra proibida, o “resgate”. Mas, para ele, o que conta será ganhar a reputação de ter evitado um resgate, antecipado por muitos. Vivemos ainda sob o mito de “2011”. Uns dizem que será uma questão de tempo até os socialistas nos levarem de regresso a 2011. O governo, por seu lado, está empenhado em mostrar que pode voltar a 2009 e a 2010, sem ter que chegar a 2011. Também acho que 2011 não regressa. Mas o mérito não é do governo. Não haverá um novo resgate graças à Europa.

Para se entender as razões porque não voltaremos a 2011 é, paradoxalmente, necessário revisitar o ano em que Sócrates chamou os amigos europeus, depois de se ter acabado o dinheiro. Em 2011, os mercados estavam nervosos e tinham percebido que as dívidas dos países do Euro não eram todas iguais. Por isso, os juros das economias mais frágeis e endividadas, como a portuguesa, aumentaram de um modo descontrolado. O Estado português e os bancos deixaram de se poder financiar nos mercados. Sem acesso a dinheiro, restava um recurso: o pedido de ajuda à União Europeia e ao FMI.

Muito mudou na Europa desde 2011. O Banco Central Europeu iniciou uma política monetária de compra de dívida e de financiamento dos bancos, a qual acalmou os mercados e permite o acesso a financiamento a todos os países do Euro (excluindo a Grécia). Apesar dos esforços de Centeno, é Draghi que salva Portugal de um segundo resgate.

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Além do activismo do BCE, ocorreram outras mudanças importantes na zona Euro. Não há qualquer vontade nos países credores para se aprovarem mais programas de ajuda financeira aos países devedores. Muito menos, durante o próximo ano com eleições na Holanda e na Alemanha. Merkel não terá vontade alguma em lidar com um resgate para Portugal durante uma campanha que se adivinha bem dura. Merkel ficará agradecida ao Mário de Frankfurt (e não ao de Lisboa) por evitar novas ajudas financeiras.

Nada disto significa que o governo não esteja a cometer erros enormes. Como tem sido dito, escrito e repetido, não faz reformas, insiste num modelo errado de crescimento económico, agrava a ditadura fiscal sobre os portugueses, ataca a propriedade privada, reforça o poder das corporações que querem um Portugal pobre e dependente, e usa e abusa de habilidades orçamentais para “controlar” o défice, aumentando a dívida pública. Ou seja, o governo está a promover uma tripla transferência de recursos: das poupanças para o consumo, dos sectores privados para a função pública, e das futuras gerações para as actuais. Mau, injusto e imoral.

Por estar quase tudo a correr mal é que a declaração de Centeno foi politicamente esperta. Com um crescimento económico baixo, com a diminuição do investimento e das exportações, sem criação de emprego e com mais impostos a caminho, o governo só tem mesmo uma boa notícia para dar aos portugueses: não haverá um segundo resgate. Na verdade, Centeno conseguiu um feito. Pode correr tudo mal, mas só haverá um critério para avaliar o sucesso da governação. A capacidade para evitar um segundo resgate.

A oposição tem que combater esta estratégia absurda. Tem que dizer claramente que um segundo resgate é uma questão que nem sequer se coloca. O que interessa é fazer a economia portuguesa crescer, baixar o desemprego e diminuir a carga fiscal. Deve acrescentar ainda, e sem qualquer hesitação, que não voltará a baixar ordenados nem pensões. O PSD e o CDS não podem ser os partidos do empobrecimento. Devem ser as forças que ajudam os portugueses a criar riqueza, o que a geringonça não consegue nem nunca conseguirá. A nova zona Euro pós-2011, com um banco central mais activo e com mais poder, permite fazer esse compromisso com os portugueses.