O ministro das Finanças não devia ter pedido bilhetes para assistir ao jogo do Benfica-Porto. O magistrado que autorizou as buscas no Ministério das Finanças devia ter garantido a existência de uma explicação mínima, pelo menos minimizando especulações que prejudicam o País, partindo isto do princípio que Mário Centeno não está envolvido no caso. Porque o que realmente sabemos da razão das buscas no Ministério das Finanças é muito pouco, para não dizer nada. E com o passado temos de ter aprendido a não nos precipitarmos nas criticas ao Ministério Público.

Comecemos por aquilo que sabemos. A 5 de Janeiro, aqui no Observador ficámos a saber que o ministro das Finanças tinha pedido dois bilhetes ao Benfica para assistir, na bancada presidencial ao jogo mais adorado pelos fanáticos do futebol – o Benfica-Porto em Abril de 2017. Logo na altura o Ministério das Finanças argumentou que o pedido foi feito por razões de segurança e colocou de parte a violação do código de conduta já aprovado na altura.

Três dias depois, a 8 de Janeiro, o Correio da Manhã diz que o filho do presidente do Benfica viu concluído um processo de isenção de IMI, uma semana depois de Centeno ter pedido bilhetes para o jogo Benfica-Porto e que a polícia judiciária está a investigar o caso. Cita ainda um mail, já antes revelado pela Sábado, em que Vieira filho agradece ao pai o “empurrão” dado para conseguir a validação da isenção fiscal. Além disso, e citando fonte da Câmara de Lisboa, diz que as isenções fiscais em sede de IMI estão previstas na lei, cabendo à autarquia certificar as condições para beneficiar dessa isenção e às Finanças – administração fiscal – dar execução ao processo.

Ou seja, neste momento, sabemos que havia um processo de isenção de IMI emperrado na administração fiscal que foi desbloqueado uma semana depois de o assessor diplomático de Mário Centeno ter pedido dois bilhetes, para o ministro, na banca presidencial do Estádio da Luz. Coincidência? Não sabemos.

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No sábado dia 27 de Janeiro é dada a notícia de que teriam decorrido buscas no Ministério das Finanças na sexta-feira dia 26. A Procuradoria Geral da República confirma ao início da tarde “a realização de buscas para recolha de prova documental no âmbito de um inquérito em investigação no DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penas) de Lisboa”. Acrescenta que “o inquérito não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça” e esclarece “que as buscas foram no Ministério das Finanças, não no gabinete de trabalho do Ministro”.

Resumindo. Temos dois factos confirmados por todas as partes. Primeiro: O ministro pediu bilhetes para o Estádio da Luz e assistiu ao Benfica-Porto com o filho na bancada presidencial em Abril de 2017. Em Janeiro de 2018 há buscas no Ministério das Finanças.

Pelo meio temos informações sobre uma isenção fiscal de IMI sobre a qual ninguém discute a legalidade mas cuja validação final pode ter beneficiado de um “empurrão”. Quem já passou por estes processos testemunha que a validação final dos processos de IMI, nas mãos da administração fiscal, pode levar tempo. O “empurrão” pode aqui querer dizer – não sabemos – uma aceleração do processo.

Mas não sabemos, oficialmente, é se existe ou não uma ligação entre pedido de lugares para ver o Benfica-Porto, isenção de IMI e buscas no Ministério das Finanças. Ou seja, pouco ou nada sabemos das razões que levaram a polícia ao Ministério das Finanças. Pode ser o pedido de bilhetes, pode não ser. E pode ser o pedido de bilhetes enquadrado numa legislação que o actual primeiro-ministro defendeu quando foi ministro da Justiça, como aqui recorda o Observador. Também por causa disso, actualmente não podemos dizer, como o fizemos no passado, que ninguém toca nos poderosos.

Claro que Mário Centeno tem todo o direito de ver o seu Benfica jogar, como aliás o disse. Claro que precisa de estar protegido. Mas tem de preferir não ir ao futebol, como um sacrifício do cargo que ocupa, a expor-se num pedido de bilhetes. São ossos do ofício, que são muitos para qualquer ministro das Finanças.

Como já vimos muita coisa nestes últimos anos, e cometemos alguns erros de avaliação precipitada, temos razões para acreditar que os magistrados não perderam o sentido da proporção, do bom senso e do interesse público.

Um magistrado que autoriza ou solicita buscas no Ministério das Finanças tem de ter a noção do impacto que isso poderá ter e não pode ser indiferente a isso. Sabe perfeitamente que, no mundo frenético em que vivemos, dificilmente isso se manterá em segredo – como aliás não se manteve. E tem de ponderar bem dois valores conflituantes: a sua obrigação de garantir a investigação de suspeitas de crime e os danos que essa investigação pode ter, em vão, na imagem do país. Tem por isso de estar muito seguro da sua decisão.

Por exemplo, um jornalista quando está a fazer uma notícia não pode levar em consideração os efeitos que ela terá, nem os interesses que ela possa eventualmente satisfazer ou prejudicar. Tem é de fazer a notícia confirmando os factos e ouvindo todas as partes com interesses em presença.

Um magistrado tem de dar mais peso ao interesse da investigação do que ao interesse nacional, até porque temos na nossa História exemplos de como o dito “interesse nacional” serviu interesses de manutenção do poder ou de poderes.

Entrar no Ministério das Finanças não tem, em si, importância. Mas permitir passivamente que se transforme o ministro das Finanças em suspeito de um crime tem uma enorme gravidade se não for ele o centro da investigação. É neste quadro que, embora respeitando o segredo de justiça, a magistratura deve explicações sobre o que se passou. No tempo próprio, dirá quem considera que assim tem de ser. Mas o tempo próprio da Justiça tem de se adaptar mais aos novos tempos, até porque a própria justiça está a usar a comunicação informalmente. Tem de a institucionalizar. A explicação dada pela PGR – que há investigação e que não se entrou no gabinete do ministro – cumpre os mínimos mas não conseguiu limitar a ligação das buscas ao ministro. Será porque de facto essa ligação existe? Não sabemos.

É fácil a situação para a magistratura? Não é. Como alguém alertava, no Brasil temos a justiça feita em directo – a sentença de Lula da Silva – e nem por isso podemos considerar que é uma boa solução. Mas a Justiça tem de pensar seriamente na forma de conciliar os objectivos da justiça com actual necessidade de informar – até para que se faça Justiça em vez de ficar por vezes refém dos caminhos que são seguidos pelo espaço público.

Nada disto teria acontecido se o ministro das Finanças não tivesse pedido ao Benfica bilhetes para assistir a um jogo de futebol. Estamos mais exigentes, pelo menos na lei, o que tem de ser visto como positivo. A classe política tem de se habituar a este novo grau de exigência que, apesar de tudo, ainda está longe do que vemos noutros países. Um pequeno exemplo: na Austrália a ministra da Saúde demitiu-se em Janeiro de 2017 por ter comprado uma casa, obviamente com o seu dinheiro, quando estava em viagem à custa do Estado.