E pronto: Centeno foi eleito como estava previsto e por boas razões. Com efeito, era a vez de o membro de um dos actuais raros governos do Partido Socialista Europeu substituir outro do mesmo partido cujo mandato chegou ao termo por causa dos maus resultados eleitorais do seu partido… Daí o secretismo em torno da eventual eleição do ministro das Finanças português, como se fosse uma manobra diplomática de alta envergadura dos próceres que nos governam. Na realidade, só havia um competidor sem «chances» da Eslováquia, o qual desapareceu na primeira volta. Na segunda, confirmou-se o sucessor do socialista Dijsselbloem, o que era equitativo, já que os «populares», como vencedores da última eleição para o Parlamento Europeu, ocupam grande parte dos lugares importantes da UE.

Dito isto, a manobra publicitária do governo português resultou em cheio, transformando a escolha de Mário Centeno para presidir às reuniões dos ministros das Finanças dos países do «euro» (Eurogrupo) numa espécie de vitória da selecção nacional no próximo campeonato mundial de futebol! Sendo a política de hoje em dia, sobretudo nos países com uma cidadania de baixa intensidade, como é o nosso caso, um verdadeiro concurso mediático, o primeiro-ministro António Costa deve ter recuperado desde ontem, junto dos telespectadores, uma parte substancial dos votos que perdeu desde o incêndio de Pedrógão Grande. Era esse, aliás, o grande objectivo do PS: fazer boa figura na Europa, coisa de que estava bastante necessitado.

Com efeito, a táctica do actual PS perante a UE nunca deixou de ser dúbia para não dizer dupla: ora sim, ora não, conforme os gostos dos aliados do seu governo. Por exemplo, no Conselho Europeu António Costa votou a favor do orçamento europeu para 2018 e no Parlamento Europeu os seus deputados abstiveram-se, ou porque o orçamento português foi retido pela Comissão Europeia para aprovação ou então para dar um ar de «progressismo», não se sabe… Isto para não falar das complicações inéditas em que o governo mergulhou a propósito da «defesa comum» na UE por causa do Brexit e das birras de Trump com a mesquinhez europeia em matéria de despesa militar…

Voltando à consagração internacional do ministro das Finanças, o governo e os media que difundem as suas mensagens têm dado a entender que Centeno terá um papel decisivo num pretenso desmantelamento da «austeridade» na UE e na promoção da chamada «convergência real» das economias mais débeis da zona euro. Nada leva a crer que, independentemente daquilo que pense o ministro português, seja esse o futuro caminho do Eurogrupo. Não é assim que se faz o milagre da construção de uma moeda única. O desejável é que os governos periféricos aproveitem as lições da última crise e a actual retoma económica mundial para fazerem as reformas estruturais que lhes têm sido exigidas pelos países mais desenvolvidos e que não só não têm sido feitas como foi «revertido» o pouco que se fez durante a crise, conforme sucedeu no Portugal da geringonça. Ou isso ou a quebra do crescimento sustentado e da eventual convergência que só depende de nós depois das dezenas e dezenas de milhões de euros em transferências do centro para a periferia.

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Nessas condições, como de resto a generalidade dos comentadores reconheceu imediatamente, a ascensão de Centeno à presidência do Eurogrupo é vista com a maior desconfiança pelos partidos que apoiam o actual governo. A prazo, isso não contribuirá para o entendimento – já de si difícil, como se viu durante o debate orçamental – entre o PS e os seus aliados, os quais não se deixarão transformar facilmente em satélites. A favor de quem é que esse cenário funcionará daqui até às eleições não se sabe mas não é certo que a conjuntura económica seja suficientemente favorável ao PS, proporcionando-lhe a maioria absoluta.

Entretanto, o eclipse do PSD após a desistência de Passos Coelho perante a luta contra a maré a que estava obrigado é cada vez mais sombrio. Seja quem for que venha a ganhar a liderança do partido, é palpável que o túnel a atravessar pelo PSD se tornou cada vez mais longo e escuro. Se ganhar Santana Lopes, o partido enquanto força alternativa com impacto no país desaparecerá, quem sabe se de vez, atendendo à descolagem total do CDS, que está hoje mais próximo de se aliar com o PS do que com os seus companheiros de há dois anos.

Se ganhar Rui Rio, criam-se as condições para oligarquia do PSD começar a pensar no tal «bloco central» desejado desde sempre pela velha ala governante do partido. A acontecer tal evolução, maior será a distância a que os actuais sustentáculos do PS terão de se manter do governo e das políticas avulsas e contraditórias que têm constituído a actual governação. Por outras palavras, surgindo como a boa notícia de que António Costa precisava há bastante tempo, a eleição do presidente Centeno poderá traduzir-se em breve na desarticulação da «geringonça» e no início da competição entre o PSD e o CDS para se aliarem ao PS. A política prosseguirá assim o seu habitual ritmo conspiratório enquanto o país continuará sem plano de vida!