No outono de 2015, saído de uma derrota eleitoral, o Dr. António Costa decidiu salvar a sua carreira, profissional e política, através da recusa de coligação com a aliança vencedora. A carreira “profissional e política” de António Costa poderia resumir-se à política porque, sem desprimor, ao actual primeiro-ministro não se lhe conhece outra intervenção para o progresso social que não seja através da política partidária. Nesta, há que reconhece-lo, tem pontificado com dedicação e ocasional eficácia que merece elogios.

Todavia, da decisão do Dr. António Costa, provavelmente antecipada antes do acto eleitoral mas nunca claramente anunciada aos eleitores, resultou um Governo de coligação parlamentar social-comunista que é contra a natureza intrínseca do PS e fruto da qual, por enquanto, apenas se observa a degradação contínua da situação financeira e económica do País. Pese embora o que é aparente numa parte dos números divulgados, as leituras completas e não enviesadas dos dados disponíveis não permitem folguedos. Mas, como a Dra. Teodora Cardoso experimentou, a esquerda trauliteira, mesmo quando maquilhada, não aceita que se questionem “sucessos”, ainda que provavelmente irrepetíveis e nem sequer demonstrados numa análise imparcial e completa dos dados publicados.

O nosso sistema eleitoral, baseado na representação proporcional, não está adaptado a uma visão dicotómica de direita versus esquerda, ainda menos quando a esquerda é um conjunto dissonante de forças políticas que se apresentam antagónicas e até há grupos parlamentares criados a contento de um partido chapéu, como é o caso daquele que só tem conseguido a eleição de deputados através dos votos no PCP. Mas como os partidos não se entendem quanto à revisão do sistema de eleição da Assembleia da República, o que temos é a probabilidade de nos perpetuarmos em maiorias reais ao centro, ou seja, do PSD e do PS. Não se trata do “centrão artificial” a que o nosso Presidente da República aludiu há meses. É o “centro”, o mesmo que elegeu o Prof. Rebelo de Sousa, o centro real, maioritário e inultrapassável na fase actual do nosso regime político. Todavia, querendo consensos, não parece avisado que se tratem os principais partidos como “filhos e enteados” e se queira comportamento de “irmãos”. Não se pode apagar uma fogueira onde só se despeja combustível. Metáforas há muitas, todas muito explicativas, nenhuma colocando em causa as boas intenções de quem queira querer parecer mediador, moderado e respeitador dos poderes que a Constituição lhe confira.

A maior maioria, passo o pleonasmo, está na soma entre os dois partidos mais votados na última eleição, o PSD em primeiro e o PS em segundo. Em boa verdade, por questões de coerência, deve até dizer-se que a maioria, em termos de votos e consonância democrática, reside na soma dos votos do PSD, CDS-PP e PS. No meu entender, PSD e CDS devem, em termos da forma e do momento como concorreram nas últimas eleições, ser ainda considerados como uma só força política. Até percebo que, na persistência da ideia de que devem haver dois partidos de centro e centro-direita, PSD e CDS surjam agora separados, mas a verdade é que concorreram juntos na defesa conjunta de um Governo que tinha sido dos dois. Confesso, com a liberdade de não ser militante de nenhum deles, que me pareceria mais fácil afrontar a nova maioria de “esquerda” mantendo um bloco permanente PSD-CDS em vez de andarem sempre à procura de parecer alternativos e, com isso, favorecerem socialistas e comunistas.

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Aqui chegados, não nos interessa discutir o que poderia ter sido, nem continuar com um discurso, mutuamente exclusivo, entre o pessimismo realista e o optimismo demagógico e injustificado. Há que devolver o País ao progresso social e económico. Chega de bufarinheiros de boas notícias. O que urge é preparar a substituição, inevitável em democracia, do Governo actual por uma solução abrangente que seja respeitadora dos valores europeus, do mercado, da solidariedade, da propriedade privada, da iniciativa empreendedora, premiadora do mérito, protectora de todos os cidadãos e da liberdade de opinião. Um Governo apoiado por pessoas e partidos que não professem ideologias que impeçam conferências em Universidades. Pessoas e partidos que não entendam que a cada maioria possam corresponder “novas regras” no Parlamento.

O PS de antanho já foi um partido social-democrata, moderado e equilibrado, mas agora, por mais que nos queiram convencer do contrário, está enovelado com partidos que não defendem os valores que enunciei. O PS, já sem o Dr. António Costa e a respetiva entourage que parece repescada de um filme de Eisenstein, terá de retomar a matriz social-democrata, aquela que presidiu aos seus Governos passados. Se o não fizer, misturando-se na confusão de “ismos” em que a esquerda se cristalizou, o PS poderá acabar como uma versão do Bloco de Esquerda – onde cabe tudo – e remeter-se-á aos níveis de representação próprios das forças extremistas. A sorte não dura sempre. Nem a perpetuação da mentira.

Uma das áreas para onde sempre se olha na busca de consenso é a da saúde. É certo que até há, já o escrevi anteriormente, uma plataforma de entendimento na Constituição e um conjunto de valores e princípios que geraram um acordo, nunca escrito, em torno do SNS. Mas isso já não chega para que se garanta a sustentabilidade do sistema de saúde, SNS incluído, cuja situação financeira se está deteriorar. Não nos deixemos iludir. O SNS ainda não se preparou para afrontar os desafios do futuro que já é imediato. Há um conjunto de elementos base para os quais terá de haver um acordo democrático e duradoiro, plasmado em legislação, para a defesa da manutenção do direito à protecção da saúde e de um SNS geral, universal, livre e tendencialmente gratuito. Vejamos alguns pontos essenciais:

  • Revisão da Lei de Bases do SNS, claramente desactualizada. Manter as ARS? Com que papel? Um artigo, é o que está lá, só sobre médicos? Taxas moderadoras? Não seria mais honesto e útil definir a possibilidade de co-pagamentos? Em que circunstâncias, para quem?
  • Substituição da ADSE por um seguro público de saúde, universal, voluntário e complementar, que deverá coexistir com as ofertas de seguradoras privadas.
  • Construção de um modelo de SNS que seja mais eficiente, ideologicamente descomprometido, pragmaticamente capaz de responder às necessidades de acesso em tempo útil. Ora, só com uma visão sistémica que não compartimente sectores prestadores – público, social e privado – será possível ter respostas simultaneamente próximas das pessoas – quando adequado e possível – e com menores desigualdades no acesso.
  • Novo enquadramento remuneratório dos profissionais de saúde, promovendo uma real dedicação plena e exclusiva ao sector público para quem o desejar, garantindo uma diferenciação salarial ajustada e proporcional à progressão profissional e ao consequente aumento de responsabilidades e riscos.
  • Plurianualidade do OE para a Saúde de forma a garantir mínimos de financiamento, com visão estratégica e para lá de um ciclo legislativo, inclusivamente através de uma política fiscal promotora da saúde e, por essa via, amiga dos cidadãos.
  • Neste contexto, deverá haver acordo sobre os equipamentos de saúde a instalar e prazos de conclusão de aquisições e empreitadas.
  • Plano Nacional de Saúde com objectivos ambiciosos de redução da carga de doença, a cinco e dez anos, nomeadamente através de políticas conducentes à promoção da saúde e eliminação progressiva e consequente de hábitos e comportamentos de risco.

Para que se possa chegar ao desenho e implementação deste quadro político, em torno do denominador comum, teremos de conceber um acordo entre os partidos da área democrática não marxista, leninista, trotskista, maoista ou afins, para quem tudo o que proponho não fará sentido. Mas os partidos de matriz social-democrata e cristã-democrata terão de se focar na aplicação das medidas determinadas pela justiça, racionalidade e conhecimento científico. Pode parecer irreal e antagónico imaginar um resultado eleitoral que favoreça um discurso não baseado no populismo, o novo nome para a demagogia desbragada. Talvez? Mas as pessoas saberão escolher quando forem confrontadas, idealmente no final do mandato da coligação social-comunista, entre a continuação da anemia nacional ou a transfusão do progresso.

Ex-ministro da Saúde