A crise da Grécia parece estar bloqueada em modo “En attendant Godot”, uma peça em dois actos do Irlandês Beckett, originalmente escrita em francês, em que dois personagens esperam pelo Sr. Godot, que deverá resolver todos os seus problemas, mas que nunca aparece.

As negociações entre a Grécia e a Europa andam assim, mas já passaram mais do que dois actos e não há sequer ainda um vislumbre de um acordo que permita à Grécia receber os 7,2 mil milhões de euros do programa de ajustamento que ficaram por pagar. A urgência em receber os fundos está relacionada com o facto de a Grécia ter de devolver 450 milhões de euros no dia 9 de abril ao FMI, dinheiro que aparentemente não tem.

Ainda que esta emergência de curto prazo seja ultrapassada, a realidade é que não vai resolver o problema de um Governo que está sem dinheiro e que não pode imprimir moeda para aumentar a inflação e reduzir nominalmente o rácio da dívida. A esta crise seguir-se-ão provavelmente muitas crises no próximos meses, enquanto o novo Governo Grego e a Europa continuarem a discordar fundamentalmente sobre como se deve resolver o problema do endividamento da Grécia.

Por isso, enquanto as negociações continuam sem grande progresso, discute-se na imprensa nacional e internacional sobre as possíveis vantagens de a Grécia sair do euro. Poderá ser isso o Sr. Godot?

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Para a Grécia, sair do euro tem desvantagens óbvias no curto médio prazo (dois ou três anos), enquanto a economia se ajusta a uma moeda fraca e inflação elevada. No longo prazo, o ajustamento permitiria uma recuperação da economia, ainda que possivelmente associada à desvalorização frequente de um possível novo dracma.

Já no que diz respeito às consequências para a Europa, os argumentos para as vantagens da saída da Grécia são vários e bastante sedutores. Num artigo recente, DeAnne Julius resume bem a posição dos economistas e dos políticos que consideram que a saída da Grécia poderia ser positivo para a zona euro. Julius argumenta que a ausência de mecanismos de ajustamento eficientes dentro da zona euro associado à crescente dificuldade em convencer as populações em vários países a continuar a apoiar a Grécia tornaria relativamente fácil para a Grécia sair da zona euro. A autora considera que o setor financeiro está hoje muito melhor preparado para aguentar este choque.

No entanto, os riscos para a zona euro de uma saída da Grécia, que são subtis no curto prazo, podem ser desastrosos para a moeda única no longo prazo.

Uma saída, ainda que ordeira, da Grécia conduziria provavelmente a uma alteração profunda da forma como a zona euro é vista nos mercados financeiros, de uma zona de moeda única para uma região com uma moeda comum, mais próxima do Mecanismo de Taxa de Câmbios (MTC) que foi praticamente abandonado em 1993 após uma crise de confiança profunda no sistema em 1992. O MTC consistia em uma banda de câmbio de +/- 2,125% (+/-6% no caso de certos países como Portugal) nos câmbios face ao ECU (média ponderada das moedas europeias). Em 1992, a pressão sucessiva dos mercados por falta de confiança no sistema, fruto em parte dos referendos ao Tratado de Maastricht e da divergência entre a situação económica dos diferentes países, conduziu a markka finlandesa, a libra esterlina e a lira italiana a abandonarem o MTC. A lira regressou mas o sistema foi modificado para alargar as bandas de flutuação até +/- 15%, o que efetivamente permitia um grau elevado de flexibilidade. A crise do MTC deixou marcas profundas nas economias europeias, nomeadamente na Inglaterra onde a crise de câmbio obrigou o Governo a aumentar as taxas de juro para 15%, prolongando a aprofundando a recessão antes abandonar o sistema.

Hoje em dia são sobejamente patentes as divergências significativas entre as diferentes economias que pertencem à zona euro. As soluções para estas divergências, no quadro de uma moeda única, são possíveis e variadas. Mas a experiência do MTC sugere que, nesta situação, a confiança dos mercados na manutenção da paridade (ou da moeda única nos dias de hoje) é absolutamente crucial para evitar o desmembramento do euro.

Mais do que os programas de ajustamento, foram a atuação do BCE e a determinação dos líderes europeus em manterem a moeda única que permitiram que o euro tenha resistido à crise financeira profunda que a Europa atravessou. A saída da Grécia poderia por em causa esta construção, a começar com Portugal, tal como sugere o mais recente relatório da Moody’s. Se os líderes europeus querem manter o euro, então têm de segurar a Grécia

O Economista à Paisana é uma coluna quinzenal de Inês Domingos onde a autora explora temas do quotidiano vistos da perspectiva de uma economista