Dia do pai. Todos tivemos um. Muitos somos ou seremos pais. Há responsabilidade maior? Há amor maior?

Ser pai hoje não é o mesmo que ser pai ontem. Na verdade (se me permitem um disparate), nunca foi. O papel dos pais mudou continuamente ao longo da História do homo sapiens. Mais ainda: muda ao longo das nossas vidas.

Olhem para o vosso pai, aqueles que ainda têm a sorte de o ter vivo: o que vêem? Depende da idade que tiverem, claro. Do super-homem da infância ao ser vergado ao peso dos anos da idade madura, o pai transforma-se, torna-se transparente, friável, moldável pelas mãos de quem moldou. Quando me apeteceu escrever esta crónica (e as crónicas ocasionais, por definição, são as que me apetece escrever e o Observador tem a bondade de acolher nas suas páginas), pensei abordar o tema sob duas perspectivas distintas e essenciais:

O amor (do pai, pelo pai). O papel (do pai). Mas serão mesmo distintas?

Resumiria o amor do pai e pelo pai a uma frase com pretensões holísticas: meu pai, meu castelo, impante ou em ruínas, meu constante e eterno abrigo. E é por isso que quem perde o pai cedo – para a velha impostora, a morte, ou simplesmente com ele deixa de ter contacto -, cedo fica vulnerável num Mundo sem piedade, sem amor real para com quem por si passa desprotegido. No castelo pai, mesmo em ruínas, há sempre uma sopa quente, um abrigo e um conselho desinteressado e sábio.

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Esqueçamos então o amor (como se o amor fosse esquecível) e concentremo-nos noutro aspecto da relação parental: o papel do pai. E a pergunta que logo ocorre é saber se podemos separá-lo do da mãe. Resposta antes da resposta: sim, separemo-lo do papel da mãe (e depois logo se vê se bate certo), partindo do princípio que ser pai ou mãe não é a mesma coisa, não têm o mesmo papel na relação com os filhos. A psicologia e a psicanálise, com as eternas raízes freudianas muito actualizadas, buscam explicações que não cabem numa crónica desta natureza: na relação do filho ou da filha com o pai afirmam-se complexos de Édipo cada vez menos equivalentes e mais assimétricos. Na identificação (ou na atracção, no caso das meninas) com ou pelo pai se moldam identidades em fases precoces, com uma boa resolução do complexo como chave para uma vida equilibrada, a qual contribui para adultos felizes e consequentemente para sociedades bem ordenadas.

Desculpem a pretensão científica, quase descabida numa crónica ocasional, e permitam-me então simplificar ao extremo, concluindo do que acima refiro: a presença do pai é uma condição essencial para a felicidade dos filhos. A sua ausência ou disfunção, física ou meramente emocional, causa desequilíbrios, perturbações de crescimento e infelicidade. Isto é: o desamor, que pode simplesmente resultar da não-presença, é um dos mais importantes factores de desregulação nas nossas sociedades.

O efeito do desamor do pai não é igual ao da mãe: ambos são devastadores, é certo, de modos distintos. Ambos são essenciais. Viver sem pai é viver desde o início amputado de si mesmo, condenado a tarde ou nunca encontrar o rumo – ou encontrá-lo à custa de muito maior sofrimento e por vias sinuosas.

Ponto um, pois, assente: a ausência do pai é um factor de perturbação da personalidade dos indivíduos (filhos) e, a jusante, de perturbação social. Deste ponto decorre, como simples corolário, a responsabilidade que temos, pais actuais ou futuros, pela felicidade dos nossos filhos; responsabilidade também – em partes pequenas, mas partes inalienáveis do todo social – pelo bom funcionamento da sociedade em que vivemos.

Ora todos os seres humanos, desde que há seres humanos, tiveram pais; existindo o homo sapiens sapiens há cerca de 50 mil anos (só?), e sem retrogradarmos para os alvores da humanidade ou para outras espécies (até análogas, como o homem de neanderthal), sobra a questão de tentar perceber porque é que ainda hoje, 50 mil anos depois, não sabemos bem como agir enquanto pais. Repetimos os gestos e comportamentos que nos inculcaram os nossos próprios pais tentando ser o cimento que erige essas vidas a que demos azo, mas não chega: num Mundo em contínua mudança, os pais têm de se adaptar e crescer, acompanhar os filhos e crescer, viver numa realidade que em muitos casos lhes escapa e crescer. Só seremos os pais de que os nossos filhos precisam se, sem prescindirmos da autoridade natural da nossa condição parental, crescermos e aprendermos com eles.

Ponto dois: cumprir com sucesso a obrigação paterna implica adaptação e mudança.

Finalmente, quando pensei no assunto, antecipando o prazer de vir a ter neste dia em exclusivo, durante algum tempo e ainda que por imposição do calendário, a atenção dos meus filhos, senti uma curiosidade que resolvi não partilhar com os leitores do Observador, por me parecer comezinha e por isso indigna destas páginas: como designar a paternidade? O que é ser pai? Uma função, uma profissão, um trabalho? Ou será uma vocação e uma obrigação natural? Tendo desta forma desrespeitado a minha própria decisão, sobra-me partilhar a conclusão a que cheguei, desprovida de rigor científico: ser pai é uma missão, uma obrigação e um privilégio.

Ponto três: temos o privilégio de ter a obrigação de cuidar das vidas por que somos responsáveis.

Olho em volta e vejo amigos a cuidar dos pais velhos, gente de 80 e 90 anos vergada ao peso de vidas longas. Invejo o privilégio que sentem por poderem fruir dessa presença – o mestre do castelo ainda lá mora. Visto do lado dos filhos, aprendemos ao ser pais na relação com os nossos pais que é de amor que se trata e é só disso que se trata.

Pontos 1 a 3: pela sua presença e contínua aprendizagem da forma como devem lidar e educar os filhos, os pais são responsáveis pelo seu crescimento feliz e equilibrado; são por isso responsáveis pelo bom funcionamento das nossas sociedades. E se nem todos temos ou teremos filhos, todos tivemos pais e devemos-lhes o ser que somos.

Ponto final: ser pai é uma questão de amor, e é só essa a questão.
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA, INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS