Segundo estimativas do INE divulgadas esta semana, o Produto Interno Bruto (PIB) terá registado no quarto trimestre de 2014 um aumento homólogo de 0,7% e um crescimento de 0,9% na globalidade de 2014. Não é um resultado espectacular, mas é o suficiente para desmentir as inúmeras previsões de “espiral recessiva” que ainda há relativamente pouco tempo eram quase consensuais entre analistas e na comunicação social.

A mesma comunicação social que, talvez por desconforto com a não confirmação da anunciada “espiral recessiva”, preferiu dar a notícia destacando que a previsão do INE fica aquém das estimativas do Governo no Orçamento do Estado para 2015. Considerando que o Governo previa no OE 2015 um crescimento de 1% para 2014 e que a estimativa do INE aponta para 0,9%, o destaque dado a um desvio de 0,1% diz bastante mais sobre a agenda política dos jornalistas em causa do que sobre as capacidades de previsão do Governo.

Mais significativo, no entanto, é que a economia portuguesa tenha pela primeira vez crescido em democracia sem aumentar o grau de endividamento. Como salienta Carlos Guimarães Pinto, este dado é particularmente importante porque, até 2014, o crescimento económico português em democracia tinha sido habitualmente acompanhado por um aumento insustentável do endividamento. Ou seja, o crescimento no presente era feito à custa do sacrifício do crescimento futuro.

Sintomático também é que 2014 tenha sido um ano de crescimento para a economia portuguesa em contexto de deflação. Um facto que vai frontalmente contra um outro julgamento que é quase consensual entre analistas, comentadores e jornalistas: a condenação da deflação e os constantes avisos para as suas consequências arrasadoras para a economia. 2014 não foi também um bom ano para todas as variedades de defensores das virtudes da inflação.

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Este crescimento foi também acompanhado por um processo de reestruturação da dívida pública do Estado português. Essa reestruturação – ao contrário do que pretende para a Grécia o novo executivo liderado pelo Syriza – tem no entanto sido feita através de transacções voluntárias nos mercados financeiros. É certo que as políticas acomodatórias do BCE têm ajudado, mas essa ajuda tem estado igualmente presente no caso grego sem resultados comparáveis, o que aliás explica em boa parte os desenvolvimentos dos últimos meses.

Deverá concluir-se de tudo isto que o ajustamento português foi um sucesso? Não, mas pelas razões inversas às que geralmente são apresentadas no já referido consenso mediático. O Governo ficou substancialmente aquém do necessário no que diz respeito a cortes estruturais na despesa pública. Falhou também ao recorrer a um agravamento da carga fiscal quando se impunha criar condições para a sua redução. E fracassou de forma generalizada, embora com algumas excepções sectoriais positivas, na reforma do Estado.

Ainda assim, importa realçar que 2014 foi o primeiro ano de crescimento económico em Portugal desde 2010 e que esse crescimento se verificou em condições de “austeridade” e com deflação, contrariando todas as previsões de “espiral recessiva”. Convém recordar também que ainda em 2011 o país se encontrava à beira do abismo e que as bases da recuperação são frágeis. Esquecidas que estão as previsões de “espiral recessiva”, importa não esquecer o ponto de partida e os progressos – limitados mas importantes – realizados desde 2011. Com os partidos que apoiam o Governo desgastados e o PS estrategicamente desorientado, o pior que poderia acontecer agora a Portugal seria deixar-se cair em tentação pelos cantos do Syriza.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa