O regime democrático em Portugal assentou desde o seu início numa promessa de incremento dos níveis de bem-estar da população. Não foi por acaso que a versão sintetizada do programa do MFA era uma fórmula de três D que começava por “Democratizar” e acabava em “Desenvolver” (sobre o “Descolonizar”, também muito haveria a dizer, mas terá de ficar para outra ocasião).

Não obstante os proclamados objectivos desenvolvimentistas, o período subsequente à revolução foi caracterizado por uma destruição sistemática dos principais pilares da economia portuguesa, um processo pelo qual o país ainda hoje paga um pesado custo. Em pouco tempo, a jovem democracia portuguesa viu-se obrigada a recorrer à ajuda externa, com os pedidos de auxílio ao FMI em 1977 e 1983 a marcarem decisivamente as dificuldades do novo regime em cumprir as suas promessas de trazer a prosperidade.

Mais tarde, a adesão à então CEE em 1986 marcou o início de um período de prosperidade que parecia finalmente trazer o prometido desenvolvimento. A “Europa” era/foi, então, a solução para os problemas económicos e provavelmente – considerando as circunstâncias do período 1974-1985 – foi também fundamental para permitir a consolidação da democracia em Portugal.

Infelizmente para o país, só uma parte da prosperidade que se seguiu era real e sustentável. A abertura comercial intra-comunitária e a liberalização parcial da economia possibilitaram crescimento real e abriram algum espaço para um gradual processo de reconstrução do tecido económico que a euforia revolucionária havia dizimado. Mas uma parte da prosperidade tinha pés de barro. Por um lado, os fundos comunitários que geraram uma verdadeira indústria de “rentismo” que ainda hoje perdura com gravíssimos efeitos para os mais variados sectores da economia: desde a construção civil até às Universidades, abundam instituições especializadas na captura directa ou indirecta de fundos europeus. Por outro lado, mas em parte pelas mesmas razões, o país assistiu ao aumento contínuo e insustentável da despesa do Estado. A adesão ao euro completou o quadro com o acesso ao crédito fácil para Estado e particulares e a consequente montanha de dívida acumulada.

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No virar do milénio, estavam já presentes todos os sinais de insustentabilidade. Seguiu-se a década perdida e o descalabro despoletado pela eclosão da crise financeira internacional e agravado pela resposta nacional-keynesiana a essa crise. O terceiro pedido de ajuda externa em menos de quatro décadas de democracia coloca definitivamente em causa as expectativas de incremento contínuo dos niveís de bem-estar que sustentam o regime.

É verdade que há o risco de sobrevalorizar a dimensão económica, mas parece razoável afirmar que, sem crescimento económico sustentado, as instituições democráticas em Portugal terão uma perspectiva de sobrevivência bem mais restrita.

Neste contexto, é particularmente preocupante que os principais agentes políticos e sociais portugueses pareçam estar definitivamente afundados num estado de alienação. Uma vez chegado ao zero o relógio em contagem decrescente de Paulo Portas que assinalou a saída da troika e a suposta recuperação da soberania nacional, o pensamento prevalecente parece ser, como muito bem sintetizou José Manuel Fernandes, “nós já só queremos voltar à boa vida”.

Só assim se compreende que seja possível falar em “folgas” para compensar os cortes da despesa do Estado sucessivamente bloqueados pelo Tribunal Constitucional.

Ignorando que, para os próximos anos, ficam ainda pelo menos cerca de 7 mil milhões de euros de consolidação orçamental por fazer, e que mesmo a frágil situação orçamental actual só foi atingida em larga medida graças a sucessivos e brutais aumentos de impostos que asfixiam a economia.

Ignorando que a muitas das corporações que se alimentam à mesa do Orçamento continuam com os seus lugares e privilégios intocáveis.

Ignorando que grande parte das reformas estruturais imprescindíveis ao desenvolvimento do país continuam por fazer num país em que quase tudo continua a depender do Estado, das suas agências e das suas arbitrariedades.

Um estado de alienação face à realidade que só é passível de compreensão se admitirmos que esses mesmos agentes políticos e sociais aguardam – uma vez mais – a salvação vinda da “Europa”. É certo que a fórmula exacta varia um pouco. Uns confiam mais na união bancária e no pacto orçamental para, por via de uma maior centralização e controlo de Bruxelas, impor as boas práticas de governação. Outros, embora igualmente crentes nos benefícios de uma maior centralização em Bruxelas, preferem realçar os desejos de uma UE mais “solidária”, que transfira ainda mais fundos e coloque a política monetária do BCE plenamente ao serviço da irresponsabilidade orçamental dos Estados membros.

Mas, independentemente das suas diferenças, todos depositam as suas esperanças em bolachas de mel da “Europa”, ignorando não só os malefícios económicos e políticos de uma maior centralização, como os crescentes sinais de perigo vindos da própria UE.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa