Regozijando-se com os êxitos orçamentais do Dr. Centeno, o Comissário Europeu Dombrovskis, citado neste jornal a 22 de maio deste ano, lá foi dizendo que “é crucial que Portugal continue empenhado num ambicioso plano de reformas estruturais que deve incluir, entre outros, continuar no caminho das políticas orçamentais responsáveis e garantir uma despesa pública mais eficiente… (para) fazer face ao aumento dos custos dos sistemas de saúde e pensões”. Para já, lamentavelmente, em termos de política de saúde só temos cortes que já nem são cegos. São totais e completos, transversais, horizontais e longitudinais, em quatro dimensões, incluindo a do tempo. Estão para durar.

O pecado original foi ter criado um serviço universal, geral e, mais ou menos, tendencialmente gratuito sem que os políticos que o criaram tivessem pensado em quanto isso iria custar. Pior ainda, não anteviram que a dimensão do “geral”, a quantidade e o tipo de cuidados, tenderia a ser progressivamente mais cara, por via dos aumentos de custos da tecnologia e do incremento do número de pessoas a precisarem de mais cuidados, os idosos. Ninguém anteviu o sucesso da sociedade no prolongamento da longevidade.

Confrontado com o crescimento da despesa em saúde, o ministro das Finanças entendeu que a melhor forma de conter a subida dos gastos seria disponibilizar menos dinheiro para o SNS. Suborçamentado, limitado na sua capacidade de comprar e pagar, tenderia a ser mais poupado. Nada de mais falso. Inundado de doentes e de pessoas com necessidades crescentes, o SNS endivida-se.

Chegados onde estamos, sendo que já há pouco desperdício onde se possa ir poupar significativamente, para lá da gestão criteriosa de prioridades e do correto controlo das opções terapêuticas a utilizar, é urgente que se acabe com a suborçamentação do Ministério da Saúde e das suas agências. Já não chegam os mecanismos de controlo da fraude e de gestão da qualidade (nos eixos da efetividade, eficiência, acessibilidade e satisfação) que foram implementadas entre 2011 e 2015 e se mantêm atuais.

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É urgente promover a saúde e prevenir as doenças de forma mais efetiva, com uma participação, sem reservas, dos atores políticos e dos cidadãos, aceitando que há medidas com efeitos apenas mensuráveis a longo prazo. É preciso apostar nos cuidados domiciliários, na saúde mental, no combate ao cancro e às doenças crónicas, afrontar os lóbis industriais e corporativos, construir melhores hospitais e centros de saúde – onde forem necessários, mas não onde os desígnios eleitorais os colocariam -, contratar recursos humanos, ao mesmo tempo que é imperioso remunerar melhor e com mais justiça. Será a isto que o Sr. Dombrovskis se referia quando pede reformas. Infelizmente, acho que não.

No caso da saúde, o chavão das “reformas estruturais” é aquilo de que todos falam, sem fazer a mínima ideia do que pretendem. Tem de haver um debate anti-demagógico sobre a saúde, sem que se persista em desresponsabilizar o presente com os “culpados” do passado. E se colocássemos em causa o modelo de SNS que temos, para perceber se é o que ainda nos serve? É curto ou é excessivo? Temos dinheiro para o manter? Estamos desejosos de pagar menos impostos, mas vamos abdicar de alguma coisa? Queremos um Serviço geral que dê tudo a todos? Ou preferimos um Sistema global, com a intervenção faseada, integrada e complementar dos sectores público, social e privado? Será possível um entendimento político, multi-partidário, para um orçamento plurianual da saúde? Sem mudanças de fundo, que implicarão investimentos, nunca sairemos da míngua a que este Governo nos votou. Será um ciclo vicioso de poupança, perda de eficiência, mais despesa, mais poupança…acumulação de dívidas, mais cortes, ainda mais dívida, etc.

No campo das interrogações, há uns anos tive ocasião de ler uma pergunta singela. “Como é que se pode ser ministro da Saúde com um mandato para desinvestir em saúde? Não pode ser”. Pois, não pode. E o mesmo pensador, o Prof. Sakellarides, citado no DN de 10 de julho de 2014, numa conferência no Hospital de S. João, sob o tema da Reforma da Saúde, continuou dizendo que sendo o ministro da Saúde ”uma pessoa inteligente, devia ter percebido que não era possível fazer outra coisa se não sair do colete em que estava enfiado”. Não sei se o Prof. Sakellarides, um dos mentores do atual ministro da Saúde, já teve a gentileza de lhe dizer isto mesmo, mas, voltando ao mesmo autor, a saída do ministro “fazia um serviço ao país porque chamava a atenção de que, com este programa de ajustamento, que vai continuar, nós não teremos investimento em saúde nos próximos anos”. Mas não, não lhe deve ter dito nada e, provavelmente, já nem se lembrará do que em tempos disse.

A austeridade da esquerda é energia positiva. Até quando? Para já, quem diria, até tenho dias em que sinto a falta das exigências do PCP e do BE, dos comentários do Dr. Bernardino Soares, sempre estudioso, e da acutilância do Dr. João Semedo. Discordámos, às vezes menos do que muitos julgarão, mas havia debate. Agora, lamento dizê-lo, a “esquerda” está acomodada e revela-se tão conservadora como sempre foi. Nem lhes sobra a ideologia que sempre dava para disfarçar.

Ex-ministro da Saúde