Deu-me para fazer, de acordo com a tradição, uma lista de desejos para o ano que vem aí. Não são particularmente originais e receio bem que, com a excepção de um deles, tendam para o irrealizável.

Que Obama, no mês de presidência que ainda lhe resta, não repita mais vezes gestos como a recente abstenção nas Nações Unidas na moção que condenava os colonatos israelitas, uma atitude gratuita apenas destinada a mostrar ao mundo que não ama do fundo do coração a única democracia daquela região, uma coisa que já se sabia mas que ele quis tornar muito clara, obrigando John Kerry e a embaixadora americana nas Nações Unidas a fazerem triste figura. Infelizmente, o seu incontido amor pela humanidade, que se manifestou sobretudo através da inacção que permitiu a expansão do Estado Islâmico e a generosa oferta de um sentimento de poder a Putin como ele não tinha nunca tido antes, não lhe deve permitir grande margem de manobra. É que o amor pela humanidade vem junto nele com um não menos notável amor de si mesmo, que o levou a declarar que se fosse ele, e não a pobre Hillary, a defrontar Trump, o resultado das eleições teria sido muito diferente. Não me lembro de nenhum Presidente cessante americano ter jamais feito em público comentários deste tipo. A encarnação da esperança promete estar activa em Janeiro. Quem sabe, talvez ainda vá a tempo de fechar Guantánamo?

Que as reacções aos sucessivos actos do terrorismo islâmico não comecem, depois das formais lamentações da praxe, por sombrias advertências sobre o facto de tais actos favorecerem a extrema-direita. Percebo perfeitamente os altos valores que ditam tais advertências e não gosto mais da extrema-direita do que qualquer dos proclamadores habituais, mas é o tipo de reacção que, implicando uma recusa de ver claramente o que se passa à nossa volta, cria condições para o desenvolvimento de atitudes que aproximam as pessoas da dita extrema-direita. As pessoas não apreciam ver o mal presente silenciado com a ameaça do mal futuro. Ao contrário, ver o mal presente na sua dimensão inteira proteje da iminência de males futuros.

Que a América Latina deixe de produzir personagens como os irmãos Castro, Chávez ou Maduro, que parecem caricaturas das geniais caricaturas de Hergé, generais Alcazares e Tapiocas que exibem a perfeita transformação do ridículo em cruel grotesco que lixa a vida de povos inteiros. Por amor pela humanidade, e pela felicidade que nos dá amarmo-nos a nós mesmos na humanidade, muita gente que não sofre as consequências das suas acções adora-os, é verdade. “Viva o General Alcazar e as batatas fritas!”, gritava, bêbado, Tintim. E é mais ou menos isso que muita gente por aí grita ainda, a propósito de Fidel e de Maduro, substituindo as batatas fritas por outras coisas só na aparência menos absurdas..

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Que, aqui à beira, o Podemos de Pablo Iglésias inicie o processo de uma segura decadência interna. O populismo daquela gente, compatível com um saber indisputável em matéria de aproveitamento mediático e, aqui e ali, com uma sofisticação intelectual mundana, não exibe menos do que na América Latina a característica possibilidade da transição do ridículo em grotesco cruel. A Espanha soube, apesar de tudo, resistir até agora, embora com alguma dificuldade, a isso. Era óptimo que essa conseguida resistência desse lugar a uma vitória democrática maciça e inequívoca sobre a desenvolta soberba do esquerdismo populista.

Que, cá por casa, Marcelo refreasse a sua vocação para (Hergé mais uma vez, desculpe-se) Oliveira da Figueira dos afectos, vendendo toda a espécie de coisas inúteis, como, em último lugar, a sua saudade do cantor George Michael. Eu sei que ele até é muito simpático e é bem capaz de gostar muito genuinamente das pessoas – e de gostar sobretudo (é humano, embora talvez demasiado) que elas gostem muito dele. Mas se para o ano ele diminuísse a intensidade da sua acção afectiva universal, que transformou o país numa indesligável e gigantesca, à nossa medida, TV Marcelo, era reconfortante. Porque, a não ser assim, ainda aparece por aí uma startup, que não duvido ser prenhe de futuro, dedicada a explorar as virtualidades do contacto directo de Marcelo com todo e qualquer português. “Chama o Marcelo”, podia-se chamar. Depois da “mediação” na Cornucópia, é um nicho a explorar. “Chame Marcelo, e se Marcelo não chamar, Marcelo chama-o a si”. Não deve ser difícil encontrar aquilo que, em vocabulário técnico, se chama um “investidor-anjo”, disponível a oferecer um capital financeiro destinado a assegurar o início do empreendimento. Por acaso, até me vem facilmente ao espírito o nome de um anjo assim.

Que pessoas inteligentes como o ministro Augusto Santos Silva deixem de se colocar em situações em que tenham de inventar explicações disparatadas e completamente inverosímeis (a “honradez das partes” nos contratos estabelecidos nas feiras agrícolas) para o facto de tratarem os portugueses, ou parte deles, como “gado”. É óbvio que esse amor bovino pelas gentes não exprime uma perversidade particular a Santos Silva, mesmo que a linguagem verde seja uma manifesta vocação sua. É antes um reflexo vulgar, embora não fatal, de todos aqueles que se sentem detentores do poder e contentes por o serem. No PS, então, em que o poder é visto como uma espécie de condição natural que só a maldade de sinistras forças pode pôr em causa, a tendência é ainda maior. Mesmo assim, era bom que, pelo menos em matéria de linguagem, mesmo privada, houvesse alguma contenção.

Que, enfim, aqueles que aspiram ao lugar de Passos Coelho no PSD explicassem porque não tiveram, ao contrário dele, a coragem e a força de carácter para durante quatro anos aguentarem um Governo que levou a cabo as mais necessárias e impopulares medidas a que a situação deixada pelo socialista Sócrates nos obrigou. E que voltou, depois disso, a ganhar eleições que, de maneira sabidamente esquisita, a Geringonça arranjou maneira de subverter. Não que a admiração que, pouco a pouco, Passos Coelho provocou em mim me iniba minimamente de ver com bons olhos a sua substituição por alguém eventualmente mais capaz de reconquistar o poder a uma governação socialista que em tudo ameaça o país de trapalhadas catastróficas e a prosseguir uma política rigorosa como a dele. No limite, ficaria até contentíssimo que este último diagnóstico fosse errado e que Costa e os seus tivessem, por inverosímil que seja, imenso sucesso e Portugal saísse tanto quanto possível da cepa torta. A política não é um campeonato de futebol feito de paixões clubísticas e o que importa mais é o acordo entre viver melhor e a confiança que esse viver melhor não é uma ilusão passageira à beira de um abismo. Mas enquanto a gente do PSD que aspira a substituir Passos não mostrar possuir as óbvias qualidades que ele tem e de que deu provas abundantes, o meu voto para 2017 é: cresçam e apareçam. Antes de crescerem não são nada. E não vejo aí ninguém com possibilidade de crescer muito.

Naturalmente que estes desejos têm toda a probabilidade de não serem satisfeitos. Com a evidente excepção da linha “Chama o Marcelo”. Essa já quase está aqui.