Há largo tempo que ando para terminar um “retrato” de António Costa para um livro, sem conseguir. Escrevo, acrescento, corto, volto a trás, rescrevo. E nunca concluo. Por “culpa” dele, claro está, que me deixa sempre em suspenso, usando de virgulas em vez de pontos, como se a meio de qualquer coisa.

Lembro-me que há meses – naquela noite no Largo do Rato em que o pais apostava que dessa vez “é que ele avançaria” e afinal não avançou – tivemos mais uma conversa.

Eu precisava dela como pão para a boca por duas coisas: perceber o que ocorrera, mas sobretudo perceber se ele percebera que o país, perplexo, não morrera de amores por “aquilo”

Como tantas vezes, falámos a sós, sem entraves. Ele – pareceu-me, parece-me sempre – com sinceridade, eu amparada no “calo” antigo que tenho destes diálogos com ele. É verdade: são quase tão antigos como eu, há quantos anos não o “sigo”, o entrevisto, o vejo, há quantas vidas não discutimos, não nos degladiamos, não concordamos?

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(E rimos como há dias, quando a propósito das vitórias do Benfica informei o benfiquista Costa que o benfiquista Vitor Gaspar também estava muito feliz com o nosso clube… Resposta através de um sms mais rápido que a luz, como se o Benfica fosse um exclusivo dele, António Costa: “o Gaspar é do Benfica?” Sub-entendido: pediu licença?)

Isto dito, talvez eu possa, daqui a um bom par de meses, acabar o retrato do Presidente da Câmara: é que desta feita parece sério e a sério. Tem havido trabalho de casa, arranjo de munições e procura de arregimentações. Pode ter passado despercebido a muitos a importância – para a solidez e o tónus das tropas de Costa – da entrada em cena de Fernando Medina, que desde as últimas eleições municipais é o número dois do autarca de Lisboa. Medina pode muito, manda alguma coisa, a Câmara, excelente trampolim, dará as ajudas que forem precisas.

Falta o resto. E já nem digo a contagem de cabeças entre aflitos e divididos socialistas. Os estatutos que um dia Seguro blindou, as polcas do aparelho, as valsas dos militantes, a trabalheira que é convocar um, congresso, as trapalhadas burocráticas. E – santo Deus! – a contagem de espingardas entre os que vão mudar, os que vão preferir, os que vão saltar, os que vão trair. Como entre os que redigiram, intervieram, prepararam, escreveram, actuaram, protagonizaram os últimos fóruns, conferencias e debates. Essa última fornada de ideias, dezenas de medidas salvíficas e redentoras, tenho-as frescas na cabeça, foi há dias. Mas isso é com eles.

Eu falava de mais. De convicção, ideias, rumo, destino. Falava do país em suma. Ou não é pensando numa “alternativa” para o país que Costa quer congregar e liderar a família dele? Acha-se que sim, deve ser. Então vai ser preciso ouvirmos ele explicar – sim, à Direita também – como é que fará melhor em nome de Portugal. Sobretudo, porque é que fará melhor.

Ao longo dos três anos que o Governo leva de vida, muitas vezes o ouvi discorrer na Quadratura, comentar aqui e acolá, intervir, reclamar mas sempre discordar: que se ia além dos mandamentos da troika, que a austeridade estava errada e que era até dispensável – como se fosse coisa de gosto ou preferência! Que havia outra maneira de fazer o mesmo, que os socialistas seriam mais amáveis, mais delicados, mais amenos (como se sabe, os socialistas e a esquerda em geral têm o exclusivo de imensa coisa, a começar na prática do bem e a acabar no cuidado com os pobres que também, como é do conhecimento geral, lhes pertencem).

Não ignoro – pelo contrário, até aprecio! – a experiência, o currículo, o brilho, a inteligência, o charme de António Costa, nem escondo o aplauso ao presidente da Câmara.

(Ele sabe, falámos de Lisboa “n” vezes nestes últimos anos, gabei-lhe projectos e iniciativas).

Mas esta prova de fogo vai exigir mil vezes mais: uma agenda nacional, clareza de propósitos, sabedoria no uso do poder partidário para dele transitar para o poder governativo. Convicção e energia. Vontade. Até chegarmos ao mapa da alternativa verosímil, fazível, sedutora. Convém recordar que a margem de manobra é curta, a porta estreita, o caminho pontiagudo. Continua a não haver dinheiro e o futuro é duvidoso.

Por isso, merecemos essa explicação. A explicação de António Costa. Ficamos à espera dela.

Sei o que gostaria que acontecesse visto da minha janela à direita. Serei incapaz de dizer – hoje – o que vai acontecer.