Sou uma mulher de 28 anos a trabalhar numa indústria (ainda) maioritariamente masculina, e numa empresa que valoriza a diversidade. Sou também a atual responsável dos Global Shapers de Lisboa, um grupo que defende a igualdade de direitos em todos os parâmetros e que está agora especialmente empenhado em recrutar mulheres. Sou uma mulher que, apesar de ainda ter uma experiência relativamente reduzida, já teve de ouvir comentários sexistas inúmeras vezes. De entre os quais, “as mulheres não têm cargos de liderança porque não querem, porque preferem ficar em casa com os filhos” ou, o meu preferido, “o valor acrescentado das mulheres numa equipa é serem organizadas e mais sensíveis”. Sou uma mulher numa sociedade em que mulheres vivem sob a lupa de expectativas de uma vida perfeita e equilibrada, de “ter tudo”. Sou uma mulher num mundo em que mulheres em cargos de poder sofrem ataques e comentários sexistas constantes, um mundo em que milhares de pessoas se sentem confortáveis a fazer ameaças de violação à Presidente da Câmara dos Deputados Italiana, Laura Boldrini, por exemplo. Por tudo isto, não tive a menor dúvida de que este meu artigo iria debruçar-se sobre o tema do feminismo, não fosse essa a minha luta diária, de alterar mentalidades, de igualar o jogo, de ajudar a melhorar a vida não só das mulheres, mas também dos homens, e principalmente das famílias. E, se este artigo conseguir ajudar nem que seja apenas uma pessoa a compreender melhor o porquê desta luta, já valeu a pena.

O que é o feminismo?

Antes de qualquer discussão, temos de pôr os pontos nos is e garantir que estamos todos a falar do mesmo. Feminismo, de acordo com o dicionário da Porto Editora, é a “doutrina que advoga a defesa dos direitos das mulheres, com base no princípio da igualdade de direitos e de oportunidades entre os sexos”. Ou seja, ao contrário do que muitos pensam, não é um movimento de benefício das mulheres. É sim a luta pela igualdade de direitos e oportunidades para ambos os géneros. Portanto não ser feminista significa ser sexista. Escolham o vosso lado.

Porquê o feminismo?

O feminismo, como me dizia um amigo descontente há uns dias, parece estar por todos os lados nestes dias. As empresas e os governos dão mais importância ao tema que nunca, existem movimentos e manifestações por todo o mundo. Temos livros, clubes, t-shirts, gorros cor-de-rosa, toda uma panóplia de novas ferramentas para apoiar o movimento. E ainda bem, digo eu. Porque quanto mais forte ele for, quanto mais audível e inevitável ele for, mais perto estamos de que ele deixe de ser necessário.

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A existência de um movimento pela igualdade dos géneros pressupõe que tal igualdade ainda não foi atingida. Um estudo recente da Nielsen em Portugal revela que apenas 28% dos entrevistados acredita que as mulheres e os homens são tratados da mesma forma. De acordo com o Fórum Económico Mundial, mantendo a atual tendência, a igualdade dos géneros em Portugal será atingida em 169 anos, principalmente devido à disparidade na participação no mercado de trabalho e nos níveis salariais. Ou seja, vou ter de esperar até ter 197 anos, o que, não sei quanto a vocês, mas não me parece de todo razoável.

Deixem-me dar-vos alguns dados para provar a existência desta desigualdade. Estudos mostram que, apesar de serem tão ou mais ambiciosas do que os homens, as mulheres estão subrepresentadas em cargos de liderança, recebem salários inferiores, ainda são responsáveis pela maioria do trabalho em casa e sofrem de pequenos “micromachismos” que por si só não têm grande impacto, mas que numa visão cumulativa ao longo do tempo, são desastrosos e até mais graves.

Ao contrário do que é a crença comum, as mulheres são tão ou mais ambiciosas que os homens, de acordo com o estudo “Dispelling the Myths of the Gender “Ambition Gap”” realizado pelo Boston Consulting Group em Abril deste ano. Na verdade, o nível de ambição não é dependente das mulheres terem ou não filhos, mas sim da cultura da empresa em que trabalham. Por outras palavras, o nível de ambição é afetado pelas interações diárias no local de trabalho, pelas conversas, pelos exemplos observados na empresa.

Quanto à participação em cargos de liderança, como mostra o estudo “Women in the Workplace 2016” realizado pela LeanIn.Org e McKinsey & Company nos Estados Unidos, as mulheres representam cerca de metade do mercado de trabalho à entrada, mas devido a uma menor probabilidade de serem promovidas a cargos de gestão, o seu peso vai diminuindo gradualmente ao longo da pirâmide, representando apenas em média 19% dos conselhos de administração das empresas. Um número ainda inferior em Portugal, onde as mulheres representam 11% dos cargos de administração das empresas cotadas em Bolsa, e um terço dos deputados do Parlamento.

Quando olhamos para os níveis salariais, há inúmeros estudos que demonstram que em média as mulheres recebem menos do que os homens, o que resulta não só das diferenças na participação em cargos de liderança, como da escolha de cursos e profissão e do número de horas no trabalho. No entanto, de acordo com a American Association of University Women, cerca de um terço da diferença salarial ainda está por explicar, sugerindo enviesamento e discriminação. Na verdade, de acordo com estudos desta associação, uma mulher após um ano de completar o seu curso já recebe em média 7% menos do que um homem na mesma posição e que trabalha o mesmo número de horas. A diferença também pode ser explicada pelo facto de as mulheres serem menos propensas a negociar os seus salários e, quando negociam, serem mais prejudicadas por isso do que os homens.

No que diz respeito ao trabalho em casa, infelizmente as mulheres ainda são responsáveis pela grande maioria do esforço. Um estudo feito em Portugal pela CESIS (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) demonstrou que as mulheres em média dedicam mais duas horas a trabalho não remunerado do que os homens. O tema não é novidade, mas é extremamente impactante nas carreiras profissionais das mulheres. Já em 1989 foi publicado o livro “The Second Shift” pela socióloga e professora de Berkeley Arlie Hochschild, em que refere que as mulheres não podem competir justamente com os homens quando elas têm dois empregos e eles apenas um. E em pleno século XXI, eu continuo a ouvir que os homens têm de “ajudar mais em casa”, em vez de tomar responsabilidades reais, controlar tarefas, dividir o trabalho. Sei que a minha geração, os Millennials, já tem uma mentalidade diferente, e que muitos homens querem relações com papéis equilibrados no casal. No entanto, sistematicamente acabam por cair nos papéis “tradicionais” quanto têm filhos devido a expectativas obsoletas nos locais de trabalho.

Mas vamos aos temas mais subtis, o “micromachismo” diário em que muitas vezes nem reparamos. As mulheres são interrompidas duas vezes mais em reuniões do que homens, tanto por homens como por mulheres. São muitas vezes apontadas como a pessoa natural para tirar as notas numa reunião. São menos vocais quanto às suas ideias e acabam por ver o crédito dado a outra pessoa. São percecionadas como “demasiado agressivas” quando têm comportamentos necessários num cargo de liderança. A lista continua.

Para quê o feminismo?

A diversidade tem benefícios concretos que ultrapassam a “sensibilidade”. Estudos provam o impacto positivo na performance financeira de uma empresa. Por exemplo, o estudo “Diversity Matters” da McKinsey & Company demonstra que, da amostra de 366 empresas analisada, empresas no quartil superior em diversidade tinham uma probabilidade 15% superior de ter resultados superiores à mediana nacional da sua indústria. E que factores levam a esta performance superior?

Em média, mulheres são menos propensas ao risco – há quem diga até que se o Lehman Brothers tivesse sido “Lehman Sisters” a crise financeira teria sido uma história muito diferente – e têm uma maior inteligência emocional, traço essencial para um bom líder.

Empresas focadas em diversidade garantem uma maior e mais diversa base de talento. Reforçam a compreensão da base de clientes, uma vez que as mulheres fazem a grande maioria das compras (no Reino Unido representam 80% das compras, por exemplo). Diversidade também impacta a satisfação dos colaboradores das empresas, uma vez que há menor conflito entre grupos, maior colaboração, levando também a maior fidelidade. Diversidade garante também um melhor processo de tomada de decisão, impulsionando inovação através da variedade de processos de resolução de problemas, de perspectivas e ideias. Estudos provam que grupos diversos têm muitas vezes melhor performance do que experts. E a diversidade reforça também a imagem da empresa quanto à responsabilidade social.

Portanto o feminismo não só é um movimento eticamente correto, mas também o mais inteligente, considerando o potencial impacto financeiro.

Empresas como o Facebook, por exemplo, compreendem este potencial e implementam formação contra enviesamentos naturais para garantir um ambiente mais colaborativo e diverso.

Como ser feminista?

Para que esta luta leve a uma mudança relevante e definitiva, não pode ser uma luta só de mulheres. Temos de estar todos envolvidos, todos defender a igualdade de oportunidades para benefício das nossas famílias e da nossa economia.

Poderíamos falar de quotas para mulheres e maiores licenças de paternidade obrigatórias, mas quero focar-me em atitudes e comportamentos que todos consigamos ter e mudar. Portanto, aqui estão três sugestões de pequenos passos que podem fazer a diferença:

1. Sejam abertamente feministas. Homens como Justin Trudeau, Forest Whitaker ou Joseph Gordon-Levitt já o são. Agora que todos compreendemos o significado da palavra, vistam a camisola e sejam abertos quanto ao que acreditam ser o correcto. Revoltem-se contra comportamentos sexistas, apontem o dedo a qualquer pessoa que os tenha, não sejam passivos. Para cada posição que recrutem, garantam que veem tantos currículos de homens como de mulheres; para cada conferência que organizem, garantam que os painéis são equilibrados.

2. Estejam atentos aos comportamentos diários. Observem mais atentamente a vossa próxima reunião e vejam se vocês mesmos estão a ter comportamentos enviesados e sexistas. Evitem organizar eventos no trabalho que sejam de interesse maioritariamente masculino. Não façam pequenos comentários sexistas como referir se “ela está naqueles dias do mês”. Se virem uma mulher a ser interrompida ou não creditada pelas suas ideias, levantem o tema.

3. Se são homens, tentem pensar como uma mulher. Se são mulheres, tentem pensar como um homem. Quando há pouco tempo li o artigo do marido da Anne-Marie Slaughter na Atlantic sobre ser um pai presente para permitir que a sua mulher dedicasse mais tempo à carreira, percebi que muitos homens não compreendem a luta diária e o sentimento de grande parte das mães de constante falhanço tanto na vertente profissional como familiar. Homens, tentem compreender o ponto de vista das mulheres com quem interagem antes de fazer julgamentos apressados. Sejam parceiros presentes e discutam a vossa estratégia familiar caso ambos queiram carreiras ambiciosas. Mulheres, forcem-se a pensar como se comportariam os vossos colegas homens em muitas das interações diárias do vosso trabalho. Se ele concorreria à promoção, negociaria o salário, apresentaria a ideia ao chefe na reunião. Experimentem comportamentos fora da zona do conforto e compreendam como isso afeta a vossa autoconfiança e satisfação no trabalho. Não se deixem limitar pelos vossos medos e inseguranças.

Em conclusão, acredito que há tantas ou mais diferenças dentro de um género do que entre géneros. Acredito que não somos nem devemos ser todos iguais mas que todos devemos ter as mesmas oportunidades. Que a nossa diversidade de talentos é essencial para o sucesso da sociedade. Que todos iremos beneficiar com esta revolução feminista que faça com que seja igualmente provável para uma mulher e para um homem tornar-se CEO, mas também igualmente aceitável para um pai como para uma mãe tirar uma licença de paternidade ou sair mais cedo para ir com os filhos ao médico.

Sim, devemos todos ser feministas. Inquestionavelmente.

(Para quem esteja interessado em continuar a ler sobre este tema, recomendo o livro verdadeiramente divertido e útil “Feminist Fight Club” da Jessica Benett)

Inês Relvas tem 28 anos e é consultora na empresa global de consultoria estratégica The Boston Consulting Group, no escritório de Lisboa. Tem experiência principalmente nas indústrias de retalho, energia, serviços financeiros e bens industriais, em Lisboa, Madrid, Londres e Luanda. Licenciada em Gestão pela Nova School of Business and Economics, a sua curiosidade por resolver problemas levou-a a juntar-se à BCG após o seu mestrado em Gestão na Católica-Lisbon School of Business and Economics. Completou recentemente o seu MBA no INSEAD. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub em 2014 e é a atual Curadora para 2017/2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos últimos meses, partilharam com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre feminismo e igualdade. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade dos Global Shapers.