Mais uma noite extraordinária na política britânica. Para a primeira-ministra, Theresa May, as piores previsões confirmaram-se. Perdeu a maioria absoluta. É provável que consiga fazer uma coligação parlamentar com o partido unionista da Irlanda do Norte, o DUP. Mas será muito difícil para May resistir na liderança dos conservadores. Pediu um mandato reforçado e os britânicos não lho deram. Perdeu autoridade no país e no seu partido. Os conservadores são normalmente implacáveis com os líderes que falham. Calculo que a questão da liderança já estará a ser discutida no interior do partido. May formará a coligação com o DUP, defenderá o programa no parlamento e depois poderá não sobreviver.

O líder do partido trabalhista, Jeremy Corbyn, foi o vencedor da noite. Até há duas semanas, todos previam o pior resultado na história dos trabalhistas e possivelmente a divisão do partido. Corbyn salvou o partido e a sua liderança. Depende apenas dele continuar na liderança do partido até à próxima eleição. O resultado dos trabalhistas também mostrou que um programa radical de esquerda tem apoio popular no Reino Unido e já não se pode excluir que possa mesmo ganhar eleições. A terceira via de Blair foi definitivamente enterrada (vive agora na França de Macron).

O partido nacionalista da Escócia foi o outro derrotado da noite das eleições. Perdeu deputados e deixou de ser a força hegemónica da política escocesa. Os conservadores e até os liberais conseguiram resultados muito positivos a norte da fronteira inglesa. Um segundo referendo para a independência da Escócia parece agora bem mais longínquo. O outro grande derrotado da noite foi o UKIP. Não elegeu nenhum deputado e perdeu grande parte do seu eleitorado. Curiosamente, muito do seu eleitorado, especialmente no norte de Inglaterra, regressou aos trabalhistas.

Neste momento, não é possível entender completamente as implicações das eleições para as negociações Brexit. Podemos, no entanto, retirar algumas conclusões. O Reino Unido sai das eleições muito enfraquecido para negociar com a União Europeia. O início das negociações, previsto para daqui a 10 dias, poderá ser mesmo adiado. A UE está mais unida hoje do que estava ontem. Nenhum governo europeu quererá aliar-se a Londres contra Berlim e Paris. Também sabemos que o possível parceiro dos conservadores, o DUP, é a favor da manutenção do Reino Unido no mercado único e na união aduaneira. Terá poder para alterar a posição do governo conservador?

Por fim, as negociações para o Brexit poderão tornar-se, ironicamente, a salvação para May. Poderá ser obrigada a ficar no n.10 de Downing Street porque ninguém deseja o seu lugar até ao fim das negociações com a UE. Neste caso, talvez se torne muito difícil evitar o “hard Brexit”. Uma May fraca e refém do partido não conseguirá impor uma relação próxima com a UE aos sectores radicais e anti-europeus dos conservadores. Como disse um deputado conservador, a favour da manutenção na EU, durante a campanha do referendo (e mantenho no original): “Brexit is like some horrible curse. It kills everything it touches.” A maldição ainda está longe de ter chegado ao fim.

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