Cerca de 3 bilhões de pessoas, em 193 países, têm uma alimentação de baixa qualidade o que contribui para resultados de saúde e nutricionais pobres, e também para o abrandamento económico e do desenvolvimento do progresso. Por isso, este ano a Food and Agriculture Organization (FAO) celebra o Dia Mundial da Alimentação sob o mote “O clima está a mudar e a alimentação e a agricultura também devem mudar”.

A este respeito, o Painel Global na Agricultura e Sistemas Alimentares para Nutrição da FAO publicou um relatório que sugere que o encargo da desnutrição é equivalente ao experimentado numa crise financeira global a cada ano. Descreve o impacto económico que a desnutrição tem sobre os indivíduos, as nações e as economias de hoje, prevendo a expansão dos custos e as consequências se estas tendências continuarem. Também em Portugal esta situação é preocupante: em 2014, cerca de 45,8% da população encontrava-me em situação de insegurança alimentar.

O relatório agora publicado pela FAO deve ser entendido como um alerta, e um guia orientativo para Governos e tomadores de decisão para mudar o curso atual através da ação e do investimento para criar sistemas alimentares que permitam uma alimentação de qualidade e, por sua vez, promovem a saúde.

A nutrição não serve apenas alimentar as pessoas. Alimenta a vida e o crescimento dos indivíduos, comunidades e nações, e por isso se não reformularmos os sistemas alimentares priorizando a nutrição, perdemos uma oportunidade de criar o futuro das próximas gerações mais forte, mais saudável e mais próspero.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os sistemas alimentares, ou seja, os sistemas que promovem o crescimento dos alimentos, a forma como são produzidos e criados, transportados, processados e comercializados, desempenham um papel central no fornecimento de uma alimentação de alta qualidade às populações, mas os sistemas alimentares de hoje procuram a quantidade e não tanto na qualidade. Por outro lado, os hábitos alimentares de baixa qualidade são uma força motriz para aumentar as prevalências das doenças crónicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, diabetes, o cancro e a obesidade.

Em todo o mundo, foi reportado que 1,9 mil milhões de adultos apresentavam excesso de peso, sendo 600 milhões obesos, correspondendo a 39% e 13% da população, respetivamente, em 2014. Em Portugal, mais de metade dos adultos têm excesso de peso (52,8%) e 15,4% são obesos e uma em cada três crianças tem excesso de peso e dessas, 13,9% obesidade, valores situados acima da média dos países pertencentes à OCDE, e que revelam um tendência para a adoção de padrões alimentares caracterizados pela ingestão energética acima das necessidades, na maior parte dos casos associada ao consumo de produtos alimentares com teores elevados de açúcar e gorduras e de baixa densidade nutricional.

Em Portugal, através dos dados da Balança Alimentar Portuguesa (BAP), verificou-se o aumento da disponibilidade de óleos e gorduras (1,82%) e açúcares (0,29%) entre 2009/2010 e 2013/2014. No mesmo período, registou-se a diminuição de 5,35% de fruta. Não fornecendo uma medida exata de consumo, pode inferir-se através dos dados da BAP que o padrão alimentar dos portugueses está em mudança, e que essa alteração constitui um dos principais determinantes para o crescimento de excesso de peso e obesidade.

Sem ação imediata, a situação deve piorar dramaticamente nos próximos 20 anos. Sem mudanças significativas nas políticas e nos investimentos, até 2030 o número de pessoas com excesso de peso e obesidade pode aumentar de 1,33 bilhões em 2005 para 3,28 bilhões, uma projeção para um terço da população mundial.

Os dados das alterações dos hábitos alimentares e do estado de saúde das populações podem ser reflexo que os nossos sistemas alimentares poderão estar a falhar, os alimentos que são produzidos, que estão acessíveis e que são selecionados pela população sofreram rápidas alterações que se manterão se nada se fizer.

Por isso, agora é a hora de tomar medidas para assegurar que os sistemas alimentares e a nutrição irão promover o adequado desenvolvimento das populações.

Dados deste relatório mostram que o crescimento financeiro pode auxiliar a aliviar a fome mas não garante o acesso a uma alimentação mais saudável e de qualidade.

Hoje em dia, as populações poderão ter um melhor acesso a alimentos do que os seus antepassados. Contudo, observa-se que a ingestão de alimentos ricos em gorduras, açúcares e sal, alimentos que prejudicam a qualidade da alimentação, aumentou grandemente. Repare-se que a aquisição de bebidas e alimentos processados, nos países desenvolvidos, aumentou de um terço para mais de metade das pessoas, de 2000 para 2015.

Este é o momento para repensar as prioridades em saúde, nomeadamente a forma como olhamos para os sistemas alimentares e para a nutrição. A nutrição não é apenas um problema de saúde ou social, mas um investimento que pode estimular o crescimento económico.

O nosso Governo dever ser capaz de colocar os sistemas alimentares no centro da ação global com políticas adaptadas para atender às necessidades do nosso país, com ações que incluam: priorizar melhorias na qualidade da alimentação; desenvolver políticas para regular a formulação do produto; incentivar a produção de alimentos de alta qualidade; melhorar a informação aos consumidores; institucionalizar a alimentação de alta qualidade nos serviços dependentes do setor público; melhorar a disponibilidade e acessibilidade de fruta, hortícolas e leguminosas; e promover uma maior colaboração entre sectores, como a agricultura, a saúde, a proteção social e o comércio.

Os decisores políticos têm o desafio colocar a nutrição e a alimentação na agenda política. Esta semana o Governo anunciou medidas de milhões: 12 milhões de euros para a cirurgia da obesidade e 80 milhões de euros provenientes de um novo imposto sobre refrigerantes. A primeira uma medida de tratamento, a segunda uma receita que irá reverter para o Serviço Nacional de Saúde. Será que também destinada a tratamento?

Se sim, Portugal falhou no passado e continuará a falhar no futuro ao não compreender a necessidade de investir na prevenção a bem da saúde dos Portugueses e a bem da sustentabilidade do SNS.

Bastonária da Ordem dos Nutricionistas