Num momento abracadabrante do parlamento, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares Pedro Nuno Santos decidiu dar algumas lições à “direita” sobre o que é uma economia moderna. Passada a primeira surpresa que é ver o secretário de Estado a falar de um período que os historiadores consideram que antecede a segunda guerra mundial (depois passa para o período contemporâneo), compreende-se que está a falar de um conceito mais vago de modernidade associado ao progresso, à igualdade e ao amor entre os homens.

Bom, nesse sentido ele terá razão, porque as aulas de economia tipicamente têm um enfoque (talvez mais limitado) sobre o comportamento das famílias, das empresas e dos mercados, sobre como podemos evitar os desperdícios, melhorar as trocas, disponibilizar bens públicos, preparar as sociedades para os desafios do progresso tecnológico, de uma forma geral melhorar a vida das pessoas aumentando o produto potencial, não apenas por transferências do Estado (que são necessárias mas insuficientes), mas de forma sustentada para todos.

O secretário de Estado continuou a sua lição passando para as reformas, mas para falar sobre aumentos de pensões que tinham sido cortadas pelo anterior Governo do PS, alterações ao número de escalões do IRS, descongelamento de carreiras que começaram a ser congeladas com o PM Sócrates, substituição de impostos diretos sobre o rendimento por outros, indiretos, escondidos, que são menos visíveis para as famílias. Tudo isto acompanhado pelo maior corte em investimento público das últimas décadas, com as consequências desastrosas que tem para os serviços públicos. Isto não são reformas, é apenas uma gestão muitas vezes desastrada de promessas a partidos que acreditam na estatização da economia.

O que são então as reformas económicas? Existe um consenso alargado entre economistas sobre as a necessidades de intervenção pública na economia: alocação de recursos, estabilização e solidariedade. A estabilização consiste em evitar que o crescimento da economia se afaste demasiado do seu potencial e a solidariedade em evitar grandes disparidades de rendimentos. Mas é a atuação do Estado na alocação de recursos que habitualmente se designa por reformas estruturais, porque ao intervir na alocação de recursos procura aumentar o potencial de crescimento da economia, tornando-a mais eficiente e, sobretudo, melhorando a qualidade de vida de todos os cidadãos, aumentando ao mesmo tempo a capacidade de distribuição para as famílias mais desfavorecidas.

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A confusão no Governo e desta maioria sobre o que são reformas estruturais é mais do que uma questão semântica, é a ignorância e o desprezo pela racionalidade económica.

A necessidade de intervir na alocação de recursos existe porque há falhas de mercado, para fornecer certos tipos de bens, para suprir a ausência de mercados, para internalizar certas externalidades que, sendo prejudiciais para os cidadãos não estão a ser consideradas pelos produtores. A intervenção do estado nestes domínios é importante porque um erro de política pode ter um efeito perverso. Por exemplo, a lei das rendas em Portugal que as manteve praticamente congeladas durante perto de um século, quase fez desaparecer o mercado de arrendamento. O anterior Governo alterou a lei das rendas para normalizar o funcionamento do mercado de arrendamento. Mas esta foi uma das reformas parcialmente revertidas pelo atual Governo. Outra reforma importante foi a do mercado de trabalho. A proteção muito superior à média da OCDE que era dada aos trabalhadores com contratos indeterminados dificultava a entrada de trabalhadores mais jovens, gerando uma dualidade no mercado de trabalho. Esta foi das poucas reformas que não foi revertida e que justifica a grande melhoria no crescimento do emprego nos últimos dois anos. Curiosamente, a única medida que não foi revertida mas foi tão criticada por esta maioria é também a que o Governo defende lá fora como sinal da resiliência do país.

É patentemente óbvio que o Governo não realizou nenhuma reforma estrutural digna desse nome nos últimos dois anos. A gravidade desta situação não é tanto os atrasos que temos face aos outros países no potencial de crescimento, mas a total ausência de planos para preparar o futuro que será muito diferente de hoje.

O principal desafio que se põe à economia mundial é a transformação das novas tecnologias e o impacto que tem sobre a produtividade e o emprego. Os efeitos ainda não são visíveis, o que poderá estar relacionado com dificuldades de medição do valor acrescentado destas tecnologias. Mas entra pelos olhos dentro que a nossa vida de todos os dias está a ser transformada por plataformas de partilha, pelos avanços em matéria de energia ou pela existência, se bem que ainda não difundida na generalidade, de carros sem condutor. Estas e outras transformações têm o potencial para melhorar significativamente a nossa vida e de reduzir as desigualdades entre países avançados e em desenvolvimento. Mas têm um período de adaptação em que os conhecimentos do passado se podem tornar obsoletos, deixando pessoas para trás.

Em Portugal, o potencial de crescimento relativamente baixo (estimado em 1,5% comparado com mais de 2% na zona euro) associado à elevada desigualdade de rendimentos (Portugal é sexto país mais desigual da UE, antes de transferências), mostra como o caminho de preparação para estes desafios é longo. Estes problemas não se resolvem com menos páginas de austeridade. É necessária uma política de educação exigente, uma verdadeira ligação entre escolas e universidades e o mundo empresarial, um mercado de trabalho. É preciso empresas produtivas e adequadamente capitalizadas, fortes para os desafios globais. São necessários reguladores exigentes com fortes capacidades de análise. Por fim, é fundamental um Estado capaz de absorver os choques, com capacidade de estabilização da economia, o que é impossível se a dívida se mantiver elevada e se não houver redução significativa do défice estrutural.

O anterior Governo de Pedro Passos Coelho trilhou esse caminho, tornado mais difícil pela situação de emergência financeira. Hoje, as políticas deste Governo são um conjunto de medidas casuísticas sem princípios norteadores e sem estratégia para os desafios importantes do futuro. É uma governação perdida e mais grave, anos perdidos para os portugueses, sobretudo os mais frágeis.

Economista, deputada do PSD