A educação formal das crianças e jovens que, desde meados do século XIX, passou a ser uma incumbência não só das famílias, mas também dos Estados, é hoje uma das responsabilidades mais exigentes e complexas das políticas públicas nas sociedades modernas.

Complexa porque exige medidas de caráter pedagógico, organizacional, apoio social, currículos e conteúdos, infraestruturas e, claro, recursos humanos – professores, técnicos, adjuntos e auxiliares. Complexo ainda porque exige adequação dos modelos de educação às legítimas e respeitáveis opções das famílias e dos alunos. Complexas porque o investimento na educação exige recursos financeiros públicos e privados que são sempre finitos e escassos. Porém as exigências dos cidadãos para um sistema educativo e formativo cada vez de melhor qualidade, mais eficiente e equitativo tornam esta área de intervenção muito desafiante e cada vez mais escrutinada pela sociedade em geral.

A importância da educação está de tal forma enraizada e internalizada nas sociedades modernas que se alcandorou a um patamar de obrigatoriedade para as crianças e jovens – frequência do ensino obrigatório, no caso português 12 anos. Em tempos houve que a guerra era única obrigação pública dos jovens (serviço militar obrigatório); agora é a escolaridade que se torna obrigatória. Não haverá dúvidas de que substituir a guerra pela educação e formação é dar lugar à inteligência em detrimento da força. É transformar a caneta numa arma mais forte do que a espingarda, é vencer pelo conhecimento e inovação.

Se a educação é o melhor elevador social, e as sociedades mais avançadas entenderam-no há muito, temos de dotar o ensino de todos os meios que lhe permitam cumprir a sua missão de forma equitativa. Cada criança e jovem deve ter oportunidade de desenvolver as suas competências e conhecimentos com individualidade e independentemente da sua condição de recurso, de residência, de origem étnica ou racial, religião ou grupo social, orientação sexual ou política. Com respeito pela unicidade de cada um é preciso e obrigatório que o Estado crie condições de igualdade e equidade para o sucesso educativo de todos.

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Está em discussão no parlamento, no governo, nas autarquias locais, nos sindicatos, na confederação das associações de pais e de uma forma geral na sociedade civil, a descentralização de competências na área da educação do Estado para as autarquias locais, assunto que, espero, vá ocupar o lugar cimeiro da discussão dos programas eleitorais autárquicos das próximas eleições de 1 de outubro, dada a relevância que a educação alcança no mundo atual – é preciso aqui passar a agir local para pensar global. Se as autarquias não planearem a educação localmente a pensar nas oportunidades e fragilidades globais estarão a comprometer inevitavelmente o futuro dos seus jovens.

Com a aprovação desta descentralização de competências entraremos num novo paradoxo da oferta de ensino em Portugal. O planeamento, a gestão e os investimentos dos estabelecimentos públicos de educação do pré-escolar até ao secundário, incluindo o profissional, passam para responsabilidade dos municípios, bem como toda a ação social escolar, refeições, recursos educativos, pessoal não docente, atividades extra curriculares, promoção da escolaridade obrigatória e segurança escolar, bem como recursos educativos e aquisição de bens e serviços relacionados com as atividades educativas, de ensino e desportivas.

O novo leque de competências a serem exercidas pelas autarquias locais terá de ter um acompanhamento muito próximo e efetivo por parte do Estado, a quem cabe regular, fiscalizar e coordenar por forma a cumprir o desígnio dos princípios constitucionais da universalidade, igualdade de oportunidades e democratização do ensino. Mas não poderão as autarquias tornar-se mais competitivas entre si, usando as suas competências como forma de oferecer meios de ensino de melhor qualidade, com apoios diferenciados e soluções mais adaptadas às circunstâncias sociais e territoriais do seu concelho e da região?

As políticas públicas de educação são, pela sua natureza, dinâmicas, seja na questão pedagógica, seja nos currículos, seja nos meios técnicos e tecnológicos, seja nas instalações e na forma de gestão. A comunidade educativa é cada vez mais exigente e quer-se cada vez mais participativa. Os pais, os docentes, os alunos o pessoal não docente, as autarquias locais, as entidades associativas locais têm o seu papel a desempenhar na escola inclusiva. Se a escola é para todos, deve ser de todos, mas também deve ser uma escola de proximidade e adaptada às condições socioeconómicas, ambientais, climatéricas e culturais pelo que a governança local faz todo o sentido e é de saudar.

No âmbito desta política de descentralização de competências deve ficar absolutamente salvaguardado o grau de independência e autonomia dos estabelecimentos de ensino, seja ao nível pedagógico, organizacional e estabilidade do pessoal afeto, sob pena de se estar a comprometer a isenção, independência e autonomia que deve nortear um ensino de qualidade que é indutor de espírito crítico de que as escolas são herdeiras na tradição dos pensadores e filósofos desde a antiga Grécia.

Se existe causa nobre, fundamental, basilar e estruturante uma delas, quiçá, a primeira é a educação. É aí que começa a base do conhecimento, do sentido analítico e crítico, da necessidade de pesquisa e procura para as dúvidas e crises, ou seja, a preparação de uma cidadania responsável, atenta, participativa, esclarecida, determinante, culta e, por tudo isso, exigente. Em breve veremos quem dá, no plano autárquico, importância a este setor.

Ex-Presidente da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, na XII.ª Legislatura, como deputado do CDS-PP; candidato independente à câmara municipal de Ponte de Lima

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.