As eleições por essa Europa fora são sempre um momento de procura de novas explicações para o comportamento dos eleitores. Fazem-se previsões, comentam-se os resultados, procura-se, muitas vezes em vão e sem originalidade, perceber os motivos da quebra de votação nos partidos tradicionais e da emergência de novas soluções que ganham terreno todos os dias.

Nos últimos 10 anos, o continente de Rousseau, Montesquieu ou Isaiah Berlin tem sido varrido por um vento que anuncia a progressiva mudança e em alguns casos uma brutal alteração do comportamento eleitoral que tinha como regra o bipartidarismo. É verdade que os motivos da alteração de paradigma dos europeus relativamente às soluções mais enraizadas e que governaram a Europa nos últimos 50 anos não são iguais. A formação e composição do “Syriza” não é comum à “Frente Nacional”, o “Podemos” difere em muito do exemplo italiano consagrado no “Movimento 5 Estrelas” e que o “Partido Nacional da Escócia” em nada se parece com o” Ciudadanos”. Mas é na substância destas diferenças que encontramos o ponto comum entre elas. O seu crescimento, a conquista do espaço eleitoral faz-se mais pela vampirização dos partidos do sistema do que pela redução brutal da abstenção.

Porquê? Há vários motivos.

Por um lado, porque há fatias expressivas da cidadania que perderam a esperança, perderam a fé no voto tradicional como solução para as dificuldades que enfrentam. Quem votou sistematicamente e foi defraudado nas expectativas, nunca cumpridas, das promessas eleitorais; quem não tem dinheiro para suprir as necessidades mais básicas do dia a dia, quem baixa a cabeça do olhar dos filhos quando confrontado com um pedido seu, não está minimamente interessado em utilizar a única arma que a democracia ainda lhe permite utilizar. Há outras angústias, outras prioridades.

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Os partidos que dominaram em alternância a Europa estão desgastados e distanciados da realidade. É verdade que foram capazes de grandes realizações, de progressos notáveis do ponto de vista social e material, mas hipotecaram esse crédito pelos excessos, pela corrupção e pela dívida pública que asfixia rendimentos e destrói a esperança.

Por outro, porque na maior parte dos casos, as soluções europeias que estão em crescimento estão mais próximas dos eleitores. Representam quase sempre a essência das suas comunidades porque emergem a partir delas. Esse é, em grande parte dos casos, e apesar das muitas diferenças entre si, o segredo do seu sucesso. Nasceram da sociedade civil, são novos os seu protagonistas e trazem para a cena política uma imagem arejada e desprendida das teias do poder.

E Portugal, neste furacão de ruturas, como se encontra? Todos sabemos que neste país de Camões, de Eça de Queirós e de Pessoa tudo acontece de forma mais serena. Há por aqui um sentimento de comodismo que emperra a mudança. Mas os sinais estão por aí e as últimas eleições europeias são disso um bom exemplo: apesar da elevadíssima abstenção, cerca de 66%, a afirmação de uma proposta que correndo à margem do sistema instalado conseguiu eleger 2 deputados tem muito que se lhe diga. Recuando mais um pouco, as eleições autárquicas de 2013 foram uma clara demonstração do cansaço dos portugueses perante as soluções partidárias e a confiança que depositam nas soluções locais como trampolim para a superação de dificuldades. Os resultados no Porto, Oeiras, Matosinhos, Gaia e Sintra, que tão bem conheço, demonstraram o extraordinário apoio cívico a estas soluções pela proximidade e credibilidade dos seus candidatos. Foram, nos casos que conheço, propostas genuínas das suas comunidades. Os resultados estão à vista e constituem um alerta aos diretórios partidários: as candidaturas promovidas pelos “Grupos de Cidadãos Eleitores” passaram de 84 mil votos em 2001 para  350 mil em 2013. E não vão ficar por aqui.

Infelizmente, este dinamismo eleitoral local não chega a outros patamares da vida política nacional. O sistema está bloqueado por aqueles que o dominam, que o asfixiam e que dele se servem.

Assim, nas próximas legislativas, a dúvida que paira no ar é saber o resultado das formações que decoram atualmente a Assembleia da República e daquelas que vão a escrutínio pela primeira vez. As sondagens, valendo o que valem nesta altura, revelam que a disputa se fará ao centro e que à esquerda do centro esquerda a pulverização de propostas não se afirma como solução. À direita do centro direita não foram geradas, até ao momento, soluções alternativas. Mas há por aqui terreno fértil por desbravar e acredito que vai acabar por acontecer.

Até lá, tudo indica que teremos, no arranque do outono, um escrutínio que corre o risco de ser apenas um episódio de uma novela com 41 anos. E esta história continua a ser útil aos seus protagonistas. Vamos ouvir da parte dos partidos, e dos seus responsáveis, que é necessário mudar de vida, que é importante criar condições para aproximar os eleitores dos eleitos, que é preciso reformar o sistema; mas na prática, nos bastidores dos passos perdidos do Parlamento, o compromisso entre aqueles que por lá andam manterá tudo na mesma.

E enquanto assim for, a democracia corre o risco de se confrontar com o abismo!

Professor, vereador na Câmara Municipal de Sintra