1. Entre nós, pouco se fala, quase nada, do Direito da Educação; ou do Direito do contrato de educação; ou do Direito das relações de educação escolar — obviamente no âmbito do Direito Civil. De entre as várias específicas relações jurídicas de Direito Civil, de entre os vários contratos típicos de que a manualística trata abundantemente (e a jurisprudência cuida), não consta habitualmente o contrato de educação, ou talvez melhor, o contrato de aprender e de ensinar em escola. É como se as relações de ensino escolar não fossem melindrosas, e pudessem deixar-se abandonadas às práticas sociais usuais e espontâneas, bem como às práticas administrativas dos distintos governos. É como se a história da educação e do ensino escolar não mostrasse violências, enganos e abusos, sobretudo contra alunos crianças e jovens.

E no âmbito do Direito Público, Constitucional e Administrativo, o que se passa? Aqui fala-se mais alguma coisa na questão do ensino escolar, designadamente no capítulo dos direitos humanos. Mas, deste pouco, quase tudo é para falar do direito social «à» educação — e não para falar dos direitos e liberdades fundamentais «de» aprender e «de» escola.

2. Este apagado panorama jurídico logo revela o viés ideológico que domina toda esta questão. Porque — sendo certo que, perante o Estado, os cidadãos são titulares de um direito social «à» educação, ou seja, de acesso a uma escola —, é evidente que a relação jurídica educativa escolar, entre a pessoa que ensina e a pessoa que aprende (ambas no exercício de direitos fundamentais de liberdade de ensinar e de aprender), só pode ser uma relação jurídica entre iguais. Portanto, uma relação jurídica de Direito Civil. E nunca pode ser uma relação jurídica de Direito Público, isto é: entre um (titular de) poder público e (um titular de) uma sujeição; ou entre governantes (ensinantes) e governados (aprendentes).

3. É verdade que a nossa Constituição atribui ao Estado (no art. 75º) a obrigação de garantir uma rede escolar nacional suficiente para todos; mas, ao mesmo tempo, proíbe expressamente (no art. 43º) que o Estado possa programar a educação e a cultura, seja sob que aspecto for. Ou seja, proíbe-o de ensinar e de mandar no ensino. Portanto: que o Estado garanta que haja escolas suficientes, isto sim; mas permitir que o Estado ensine ou sequer programe a educação, isto não. Acresce que a Constituição garante as liberdades de aprender e de ensinar (mas dos cidadãos ou suas instituições); garante expressamente a liberdade de escola privada; reconhece expressamente a rede de escolas privadas; e por sobre tudo consagra o princípio da não discriminação, que obviamente também obriga o Estado nesta matéria. É claríssimo. Só não vê quem não quer ver. E não há maior cego do que aquele que não quer ver, diz o nosso Povo.

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4. É manifesto: quando obsidiantemente se defende entre nós a chamada «escola pública», contra a chamada «escola privada», o que se pretende não é defender uma escola só porque é propriedade do Estado, contra uma outra escola, só porque é propriedade de cidadãos. O que se pretende é defender o presumido projecto educativo da escola estadual, contra os presumidos projectos educativos diferenciados das escolas privadas. Tanto assim que a argumentação não é sobre os proprietários das escolas; mas sim sobre a (boa) educação que é ministrada nas escolas estaduais «versus» a (má) educação nas escolas privadas. É uma opinião partidária. Mas não é uma opção constitucionalmente obrigatória. Portanto não pode ser imposta pelos Governos contra as liberdades fundamentais de ensino escolar. Além disso, como essa opinião partidária não se baseia numa análise minuciosa e objectiva dos projectos educativos escolares em causa, nem nos resultados educativos obtidos nas escolas estaduais contra os resultados educativos nas escolas privadas, o que imediatamente se conclui é que se trata de uma posição meramente ideológica: uma ideologia colectivista da educação, um desígnio de dirigir politicamente a educação escolar, a partir do Estado. Ideia que é contrária à democracia e à Constituição. A Constituição Portuguesa (logo no art. 1º) baseia a República na dignidade da pessoa humana; e (logo no art. 2º) consagra o «princípio do pluralismo democrático», que é o princípio oposto ao colectivismo.

5. Em comprovação evidente do seu desígnio colectivista, a doutrina da escola pública, para favorecer a obrigação de o Estado de garantir uma rede pública monopolista (capaz de satisfazer as necessidades de toda a população), é insistente na defesa do direito social (dos cidadãos) «à» educação escolar. Assim, pretende legitimar o monopólio do Estado pela sua finalidade de satisfazer direitos sociais. Mas levanta-se um contra-argumento, que diz que as prestações oferecidas pelas escolas privadas, tão boas ou melhores do que as das escola estaduais, satisfazem igualmente estes direitos sociais, com a vantagem de os cidadãos poderem escolher. Chegados a este ponto, a única saída a esta questão, que é social, é o de um argumento capitalista, que diz que o Estado só paga o que for ensino em escola sua, e os que quiserem ir a escolas privadas que paguem do seu bolso. Como se o ensino escolar obrigatório não fosse universalmente gratuito.

6. Logicamente, esta ideologia colectivista não tem interesse em falar das liberdades fundamentais de aprender e de ensinar, e muito menos das liberdades de escola, que são essencialmente «liberdades de escolha». Nem gostam de falar do direito-dever prioritário dos pais na educação dos filhos, até à maioridade, porque este direito parental inclui a escolha da escola. Nem ainda da expressa legitimidade constitucional de os cidadãos criarem e dirigirem uma rede escolar não estadual, como a Constituição prevê e garante em paralelo com a rede escolar do Estado (v. nº 2 do art. 75º)— e que por isso o Estado não pode discriminar.

7. Enfim, o que obviamente está em causa, nesta questão gravíssima — que os «liberais» cuidam e descuidam, intermitentemente, e os «jacobinos» não descuram um só momento que seja —, é a histórica luta contínua do poder político de Estado contra o direito-dever natural dos pais de criarem e educarem os filhos até à sua maioridade. Luta que faz parte do desígnio imorredoiro mais amplo do poder (jacobino) de Estado para dominar a Sociedade Civil: não só apenas pela força constritiva física sobre os comportamentos exteriores dos cidadãos (isto é, pela legislação, pela jurisdição e pela administração públicas); mas ainda, quanto possível, para dominar os pessoais pensamentos e crenças dos cidadãos, enfim os seus «comportamentos interiores», agora por uma educação pública «oficial».

8. Claro está: com dizer isto, não se critica a necessidade de, em absoluto, valorizar a importância do direito social «à» educação, nem se desvaloriza o Estado Social — quando, mesmo nos países mais desenvolvidos, ainda existe um défice na quantidade e na qualidade das efectivas ofertas escolares. Mas isto é bom e justifica-se, note-se bem, não para dar um papel educativo ao Estado, mas sim para que, pela educação escolar a todos acessível, todos possam exercitar plenamente os seus direitos e liberdades fundamentais, como liberdades de escolha, seja o de ensinar, seja o de aprender, este último como liberdade pessoal de desenvolver a própria personalidade, tal como está clara e expressamente nos arts. 26º e 43º da nossa Constituição. Assim, a importância da acessibilidade efectiva à oferta de serviços escolares docentes (em cumprimento do princípio da igualdade de oportunidades e em suficiente quantidade e qualidade) não diminui em nada — e antes pelo contrário — a exigência fundamental de liberdade pessoal (activa) de aprende — e portanto de escolher o ensino —, sob pena de se reduzir a pessoa a um ser inferior obrigado a uma aprendizagem politicamente imposta.

9. Em conclusão, torna-se evidente a necessidade de densificar a disciplina jurídica da educação escolar, com o máximo rigor e perfeição; e de vigiar pela garantia das liberdades fundamentais em causa. Em primeiro que tudo, da liberdade dos discentes, porque a primazia humana nas relações de educação e ensino pertence aos educandos, aos alunos: o educador e o professor são por causa e em benefício dos alunos; não é o contrário, não é os educandos, os alunos, que são em benefício e por causa dos professores. A acção dos professores, pessoal ou civilmente organizada em escola, é uma legítima liberdade, uma louvável e constitucional liberdade — mas sem prejuízo das liberdades de aprender dos alunos; e pelo contrário, no respeito da suas escolhas quando aprendem e quando exercitam o seu direito de desenvolver a sua própria personalidade (por si ou, enquanto menores, representados pelos seus pais). A subordinação dos alunos a desígnios educativos doutrinários escolares, quando contra ou em discriminação das suas liberdades pessoais de escolha do ensino escolar (por si ou seus pais) — e pior ainda se esses desígnios forem de Estado, e sobre o ensino escolar imposto legalmente como obrigatório ­— é uma endoutrinação, em vez de uma educação; é uma ofensa gravíssima, mesmo criminosa, contra a pessoa humana. Por tudo isto, e o mais, é prioritário e é urgente defender as liberdades dos estudantes, e a sua não discriminação, perante o poder político de Estado de tentação colectivista.