A passagem da Carris para a esfera da Câmara Municipal de Lisboa é uma boa notícia. Os termos em que essa passagem foi feita devem certamente ser discutidos e escrutinados mas importa que essa discussão não desvie a atenção do essencial, que é uma alteração estrutural positiva na política de transportes em Portugal. Para que os benefícios dessa alteração se concretizem será no entanto necessário que haja no futuro o que não foi assegurado na transição para a Câmara: separação de contas e não utilização de recursos do Estado para cobrir os prejuízos resultantes da má gestão.

A passagem para a esfera municipal é positiva antes de mais por razões de subsidiariedade. As decisões devem ser tomadas ao nível mais próximo possível das populações e não há qualquer razão técnica válida para que empresas de transportes sejam controladas politicamente ao nível do Estado central. Depois, há também fortes argumentos de justiça que apontam no mesmo sentido. Não há qualquer argumento económico nem de equidade sustentável para que os transportes de Lisboa e Porto sejam sustentados pelos contribuintes de todo o país.

A passagem para a esfera municipal melhora também as possibilidades de haver efectiva (ainda que sempre imperfeita) responsabilização política pelas decisões tomadas no âmbito da política de transportes. Dificilmente a situação dos transportes públicos será factor determinante do sentido de voto a nível nacional, mas já será mais plausível que possa ser factor relevante a nível municipal.

A municipalização é também preferível à concessão de monopólios por via do Estado central. Ainda que a concessão possa ser uma opção válida e até desejável a nível municipal — sempre que tecnicamente possível com concorrência — o pior sistema de concessões é o que centraliza as decisões num único nível político centralizado.

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É indiscutível que a manutenção a 100% da dívida no Estado é profundamente injusta mas importa reconhecer que passar empresa com défice significativo e passivo avultado não seria fácil de outra forma. O mais importante — vale a pena realçar novamente — é que a responsabilidade pelas obrigações futuras incorridas pela nova gestão fiquem estritamente circunscrita ao nível da autarquia de Lisboa, sem ajudas estatais ou possibilidade de bailouts.

Importa também reconhecer que as críticas ao aproveitamento político indevido por parte de Fernando Medina são justas mas não se pode propriamente considerá-lo chocante pelos padrões da política autárquica nacional. A verdade é que independentemente das críticas legítimas que lhe podem ser dirigidas em termos de forma e oportunidade, esta foi globalmente uma boa medida e que PSD e CDS fariam bem em apoiar e se comprometer em não reverter.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa