A minha filha mais nova começou o 9º ano no mês passado. No fim deste ano letivo, terá de escolher a área de estudos (ciências, economia, humanidades ou artes) que vai seguir no 10º ano. A miúda já anda stressada com essa decisão, e entende-se.
Sempre me pareceu cruel obrigar crianças a ter de decidir o seu futuro tão cedo. Talvez convenha à gestão do sistema de educação, mas nem por isso deixar de ser uma imposição desumana sobre os mais pequenos. Eu tive de começar a tomar decisões sobre a minha educação com 12 anos. Com 12 anos era uma idiota. Quem quer dar esse tipo de responsabilidade a um idiota, embora essa responsabilidade diga respeito à sua própria vida?
Em Portugal, a pressão é ainda maior, porque aqui a mentalidade dominante é “se estudares para uma certa profissão, é essa a única profissão que podes exercer”. Por isso, optar por uma determinada área de estudos com 14 anos condena a criança a seguir essa área para sempre, para além do ensino superior.
Tem um diploma de arquitecto, tem de ser arquitecto. Tem um diploma de enfermeiro, vai ser enfermeiro. Tem um diploma de cozinheiro… etc., etc., etc. Nem pense em mudar de ideias. Está tudo decidido.
Ouvimos muitas pessoas queixarem-se de que não conseguem encontrar emprego na sua área de estudos, especialmente durantes estes dias de crise. Sim, custa decidir numa idade cruelmente jovem o que se quer fazer durante o resto da vida – apenas para descobrir depois que, afinal, não há nenhum emprego à espera. Lá vai ser preciso sair do país, ou optar por fazer estágios não pagos durante anos, ou então “fazer outra coisa”.
É “fazer outra coisa” que é um grande problema em Portugal. “Fazer outra coisa” não é uma opção aceitável e por isso pessoas de todas as idades preferem sair do país, levando os seus talentos e as suas capacidades, apenas porque seria impensável “fazer outra coisa” durante algum tempo.
“Fazer outra coisa” é, estranhamente, anátema em Portugal. Estranho por que de tantas outras maneiras, Portugal é um país de desenrascanço e de pragmatismo. Mas “fazer outra coisa” cai em duas categorias complicadas. Por um lado, ninguém acha digno que quem tem certas habilitações tenha um emprego que não corresponda exactamente a essas habilitações; por outro lado, os portugueses acreditam que uma pessoa não pode saber fazer uma coisa sem, antes, ter tirado a respectiva licenciatura, mestrado e doutoramento. Isto é tão assim, que as poucas pessoas que conheço que, ao perceberem que não podiam progredir na carreira que tinham escolhido, ousaram “fazer outra coisa”, acabaram todas por ser desprezadas pelos seus antigos amigos de profissão, que acharam uma baixeza alguém “fazer outra coisa”. Em Portugal, é ainda raro que alguém trabalhe num bar enquanto estuda na universidade, como acontece em tantos outros países do mundo.
Isto é um disparate, por duas razões. Em primeiro lugar, porque não há nada mais digno do que fazer tudo o que é necessário para ganhar a vida. Em segundo lugar, porque qualquer pessoa pode aprender a fazer qualquer coisa enquanto trabalha. Limitar uma pessoa a um conjunto pequeno de competências durante uma vida inteira é entorpecer essa pessoa. Muito mais interessantes são as pessoas que já fizeram várias coisas ao longo da vida, que trabalharam num supermercado, e a seguir na NASA. Se eu tivesse algum dia de contratar empregados, contratava um autodidacta polímata, em vez de alguém que nunca deixou a sua zona de conforto. Afinal, porque desconfiamos nós dos políticos profissionais que nunca fizeram nada na vida senão politicar? Porque não têm experiência da vida ou, mais importante, das vidas dos outros. E porque é que seria diferente para os outros trabalhadores?
A par da falta de mobilidade social (veja a crónica anterior), há uma similar falta de mobilidade no mercado de trabalho em Portugal. Nestes dias perigosos que estamos a viver em Portugal, dias que ameaçam ficar cada vez mais perigosos, seja qual for o resultado da actual crise política, não devíamos pensar em nos tornarmos mais flexíveis dentro do país, a fim de evitar que mais pessoas tivessem de sair?
(Traduzido do original inglês pela autora)
In Portugal, you don’t do something else
My youngest daughter has just started 9th year. At the end of this school year she will have to decide which area (Sciences, Economy, Humanities or Arts) to opt for in 10th year. She is, understandably stressed out about it, already.
I have always thought that making kids have to choose their future at such as young age is cruel. The reasons, in terms of managing education systems is understandable, but it is nevertheless a hard thing to make kids do. I had to start being selective about my education at age 12. When I was 12, I was an idiot. Who wants to give that kind of decision, albeit over their own lives, to an idiot?
In Portugal, the pressure is even greater, however. Since the all pervading culture in Portugal is that you train to do one thing, ergo you can only be or do that thing, opting for an area of study at 14 condemns a child to a life in that area, beyond higher education.
You train to be an architect, you’re going to be an architect. You train to be a nurse, you’re going to be a nurse. You train to be cook… etc., etc., etc. Don’t even think about changing your mind. The damage has been done. You decided.
We hear an awful lot of people complaining that they can’t get work in their chosen area, especially these days in these times of crisis. Yes, it sucks to have decided at a cruelly young age what you want to do with the rest of your life to then find out that you can’t get a job doing. You then have to leave the country, opt for unpaid internships for years or do something else.
It’s the doing something else , though, that is a massive problem in Portugal. Doing something else just isn’t an acceptable option, so people of all ages end up leaving the country, taking their skills and earning power with them, because god forbid they do something else for a while.
Doing something else is oddly anathema in Portugal. Odd because in so many other ways, Portugal is a country of desenrascanço (look it up) and pragmatism. But doing something else falls under two categories. It is either not dignified for the qualified to have to do, or/and, because of the irritating Portuguese assertion that you can’t possibly know to do something if you haven’t been taught at an educational establishment how to do it, so without that instruction, how could you possibly do something else ?
Firstly, I can’t think of many things more dignified than doing whatever it takes to make a living. The few people I do know who have gone to do something else later on in their career are regularly and cruelly sniffed at by their professional peers. How dignified of those peers.
Secondly, anyone can learn to do anything, either learning on the job or by self-teaching. Limiting people to one skill set for their entire life is dulling. I would far rather deal with people who have done various things in their lives, whether they worked on a building site or in a supermarket or at NASA as well as their chosen professional field, than people who have never left a tight narrowly defined course of education and employment. If I were ever in a position to be hiring anyone, I would take on an auto-didact polymath over someone who never left their comfort zone, any day of the week. Give me, even, someone who had a bar job while they studied at university, something that still is mystifyingly uncommon in Portugal.
After all, why is it that we all mistrust politicians who have never done anything else but politicking? It’s because they have no experience of life or, more importantly, other people’s lives. What about the rest of the workforce?
Like the lack of social mobility (see previous crónica), there’s a similar lack of mobility in the workforce. In the precarious days in which we are living in Portugal, days which are promising to become even more precarious, whatever the outcome of the current constitutional/political crisis, shouldn’t we be looking towards being more flexible within the country to avoid forcing people to leave?