Essa excentricidade (para o nosso regime socialista abrilista) que é o indivíduo de direita tem muita razão para a cada ano, nas celebrações do 25 de abril, se perguntar por que razão a direita parlamentar aceita com bonomia ser enxovalhada pela esquerda. Por essa esquerda que nos faz saber que o regime não é nosso, que nos toleram só enquanto não tivermos demasiado espevite – e, é evidente, formos produzindo impostos.

Ou por que não respondem em espécie a António Costa quando – rude e descortez – afirma que não ouviu as críticas de Paula Teixeira da Cruz. Elegante ato que não é só uma graçola malcriada dita por um pm a quem jornalistas embevecidos gabam a ‘habilidade’. É um comportamento anti-democrático, porque ao recusar ouvir os representantes Costa está, na verdade, a recusar ouvir os representados que votaram no PSD. O que interessa o que essa gente eleitoralmente pouco avisada diz, desde que paguem (muitos) impostos, não é?

Dou aqui uma pista para a explicação da complacência da direita parlamentar perante o abuso da esquerda. É que a direita parlamentar, sobretudo o PSD, está pejada de pessoas que só por algum acaso não se filiaram no PS ou, até, no BE. É preciso provas disto? Eu ofereço-as.

Prova A. O texto de Mónica Ferro sobre Bernie Sanders. Sanders é – além de uma surpresa, como é dito no título (mas uma epidemia de cólera também costuma ser uma surpresa) –, cito, um ‘social-democrata confesso’. Cito mais: ‘Sanders soube […] cultivar, com um tom de intimidade e merecedor de confiança, a imagem de um líder com quem os americanos, os mais excluídos, os mais discriminados, os mais marginalizados, também se podem identificar.’

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Comentário à Prova A. Não exatamente. Sanders é um socialista democrático confesso (eu disputo a parte do democrático – já lá chego), não um primo socialista light social-democrata. E o apelo de Sanders aos excluídos e marginalizados é de tal maneira que Clinton tem ganho continuadamente o voto das minorias negra e hispânica, venceu a Sanders 16 dos 17 estados onde a desigualdade social é maior e teve mais 11% dos votos que Sanders no intervalo dos eleitores mais pobres (abaixo de 50.000 dólares por ano). Ontem levou com novo desaire eleitoral. (Hurray!)

O apelo de Sanders está junto dos jovens suficientemente bem na vida (e na universidade) para renegar o capitalismo e que não têm idade (e juízo) para se lembrar como era o mundo antes da implosão da União Soviética.

Na parte da feroz retórica anti-capitalista de Sanders, confere – e que bom termos pessoas no PSD que apreciam uma feroz retórica anti-capitalista; é que o BE, o PCP e a parte maluca do PS eram retintamente insuficientes para essa despesa.

Prova B. As palavras de José Eduardo Martins – dizem que uma reserva para futura liderança do PSD – sobre o mesmo Sanders, revelando ainda mais fervor apaixonado. Disse: ‘Bernie Sanders é um homem do lado certo da história, com um carisma completamente diferente. Um político diferente de todo o resto do establishment americano e era importante que a América se decidisse por um homem destes.’ Acrescentou: ‘A América pode ser um farol com um homem destes à frente.’

Comentário à Prova B. Uau. Querem ver como Sanders está do lado certo da história? Ora dirijam-se se faz favor a este texto do The Daily Beast. Ilumino aqui alguns pontos resumidos. Sanders verteu profusamente afetos – largos anos depois de deixar de ser adolescente a quem se desculpam os devaneios escarlates – pelos regimes comunistas da URSS, de Cuba e, sobretudo da cleptocracia marxista-leninista sandinista da Nicarágua. Chegou a afirmar considerar as filas às portas das lojas de comida um sinal de saúde económica e política dos países comunistas, muito melhor processo do que as idas aos supermercados com prateleiras cheias do mundo capitalista.

Quando uma sandinista ligada a assassínios políticos morreu, Sanders sugeriu que a política externa americana lhe causara o cancro. (Um precursor de Isabel do Carmo a culpar o neoliberalismo pela obesidade, portanto. Ainda que esta senhora tenha mais razão; de facto os regimes comunistas não costumam produzir muitos obesos – o que, lá está, é uma vantagem das filas para comprar comida que, certamente por uma funesta conspiração capitalista, Sanders não se recordou.) Produziu ainda frases adoráveis como ‘a verdade básica da política é primeiramente a luta de classes’ e ‘democracia significa propriedade pública dos principais meios de produção’. (Contenho-me para não colocar aqui um emoji em forma de coração.) (E não reproduzo a solução para a pornografia aventada por Sanders porque i) este é um jornal familiar e ii) a bem da minha sanidade não averiguei mais pormenores.)

Quem ouve atualmente Sanders – com o tom arrogante, antipático e moralista que vem na descrição de produto de todo o bom extremista – percebe que as suas ideias não se alteraram. Mas Sanders está do ‘lado certo da história’.

É aqui que de repente simpatizamos com a esquerda que enxovalha a direita parlamentar. Em boa verdade, uma direita (bebi um frasco de xarope para a tosse como prevenção) que canta trovas de amor a Bernie Sanders, merece todos os enxovalhos. Carrega nisso, esquerda. E o exótico eleitor que se acha de direita, em querendo votar no PSD, é melhor verificar se não está a votar nos fãs de um proto-comunista aliado dos totalitarismos marxistas.