Escúchame! Podia muito bem ser o título de um filme de Almodóvar. Mas não o é. Surge como mote para uma questão bem mais complexa e menos lúdica: a polémica capacitação dos nossos Serviços de Informações na realização de escutas e na intercepção de outras comunicações. A premência de ataques terroristas em solo europeu trouxe de novo esta questão. E bem. Na sociedade civil e na classe política rareia a consciência sobre a importância deste assunto. Aliás, em Portugal não há uma cultura de intelligence – um instrumento fundamental, não só para o combate deste tipo de ameaças, mas também para a prossecução de fins estratégicos nacionais, quando os há.

É importante perceber que ao abordamos este assunto, não nos referimos nem ao James Bond, nem muito menos a polícias secretas que são estados dentro do Estado. O antagonismo democrático surge na impossibilidade de controlo – uma condição prevista em qualquer Estado de Direito. Os serviços de intelligence, ou informações, devem acompanhar toda e qualquer decisão. O grau de incerteza é paralelo ao globalizar do mundo, logo, no processo de decisão política, a informação tratada é uma vantagem competitiva para qualquer Estado. Mais ainda se falarmos na nossa segurança, nomeadamente no combate ao terrorismo. A obtenção de boas informações é vital para antecipar e evitar acções terroristas, bem como na condução das investigações pós-atentado.

Nas questões de combate ao terrorismo, o vazio entre a possibilidade de ataque e o real acontecimento nunca é totalmente preenchido. Estamos sempre aquém. A imprevisibilidade é uma das características da acção terrorista. Mas esta vulnerabilidade pode ir sendo contrariada na proeminência da intelligence, a espinha dorsal do combate ao terrorismo.

Aliás, sabe-se hoje que os atentados de 11/09 ou Charlie Hebdo se deveram a falhas da intelligence. Se o primeiro catapultou reformas significativas nos serviços norte-americanos, o segundo está a ter o mesmo efeito nos congéneres europeus. Porém, na “pole position” da intelligence europeia, Portugal parte em desvantagem: é o único país que não autoriza os Serviços de Informações a fazer escutas ou a interceder noutro tipo de comunicações, tornando o seu papel na detecção de potenciais ameaças um factor de somenos. Esta condição não nos deixa mais democráticos, mas sim mais vulneráveis.

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Não se trata de um meio de obtenção de prova utilizado em processo penal – isso é deixado para os órgãos de policial criminal, coisa que os Serviços de Informações não são. Falamos da recolha de dados que afiram uma potencial ameaça. Dada a natureza críptica do terrorismo, o inimigo está muitas vezes escondido entre a população civil. A sua detecção é extremamente difícil e envolve um processo psicossocial de recolha de informações profundamente complexo – muitos não têm registo criminal, em alguns casos podem até ser altamente qualificados e estar bem inseridos. Esta tarefa torna-se mais hercúlea, ou tíbia, sem intercepção de comunicações ou a possibilidade de escutas. Não há identificação imediata da ameaça, logo um processo criminal não poderá ocorrer para se poder agir sobre tal. Dependemos, por isso, em larga medida, das informações dos nossos congéneres. Mas, e se ameaça nascer cá?

É preciso ver que as técnicas intrusivas de vigilância, como as escutas ou intercepção de outras comunicações, são a maneira mais eficaz na recolha de informações relacionadas com o terrorismo. Contudo, terá que haver sempre uma legitimação e controlo desse processo, para que não se degenere numa caça às bruxas. Tal poderá implicar, por exemplo, um conselho de juízes que fiscalize.

É preciso consciencializar a sociedade civil para esta vulnerabilidade, não entrando em receios securitários, para depois se colocar o debate político e se decidir. Não bastam planos de intenções para nos capacitarmos no combate ao terrorismo. É preciso uma alteração constitucional (nº4 do Art. 32º e nº4 do Art. 34º) e uma efectiva dotação de recursos humanos e financeiros aos Serviços de Informações ou outras Forças e Serviços de Segurança. Esperemos que aqui a necessidade não seja uma tardia mestra de engenho, para que o título deste artigo se associe sempre a um possível filme de Pedro Almodóvar.

Professor Universitário; Porta-Voz do OSCOT