1. Vale a pena relembrar a história. Nos idos tempos do “optimismo irritante” de António Costa (parece que foi há muitos anos, não parece?), o governo resolveu anunciar que iria concorrer à sede da Agência Europeia de Medicamentos, a qual deveria abandonar Londres como resultado do Brexit. Costa também poderia ter anunciado que o governo iria enviar uma missão portuguesa à Lua. O objectivo nunca foi ganhar a sede da AEM, mas sim manter acesa a propaganda socialista do Portugal pós-Passos, país magnífico onde tudo é possível e onde só há boas notícias. Foi apenas mais uma promessa de Costa das tantas que fez durante a primeira metade de vida da geringonça.

Se Costa desconhecia que a tarefa de conseguir a sede da AEM seria politicamente impossível, certamente terá sido avisado pelos seus assessores diplomáticos. Qualquer diplomata português que saiba como funciona a União Europeia, e há muitos que a conhecem muito bem, não teria dúvidas que o governo estaria perante uma missão impossível. Um país com a dimensão de Portugal, onde já há duas agências europeias, não pode simplesmente conquistar a sede de uma terceira. Há mais 26 países na União Europeia. Ou seja, o governo convenceu os portugueses a levarem a sério o que à partida seria quase impossível. Tudo em nome de uma euforia permanente pós-austeridade para ir mantendo o país anestesiado.

Vamos, contudo, supor que este governo gosta de missões quase impossíveis e queria mesmo conquistar a sede da AEM. Nesse caso, é difícil de entender porque não apresentaram a candidatura do Porto logo desde o início. A única explicação reside no velho centralismo nacional. Para este governo, o instinto natural é considerar uma candidatura de Portugal como uma candidatura de Lisboa. Entretanto, alguém, em Bruxelas ou em Lisboa, deverá ter avisado que já havia duas agências em Lisboa, e o governo para salvar a face escolheu o Porto. Fez assim da candidatura do Porto uma segunda escolha. A pior maneira para vencer a concorrência e uma ofensa ao Porto e aos portuenses. Para este governo, o Porto só serve quando Lisboa não pode.

A partir daqui tudo piorou. Obviamente, o Porto não foi escolhido, tal como Lisboa não teria sido escolhida. Então o PM, com aquela habilidade de que tanto se orgulha, mas que na maioria das vezes só causa sarilhos, veio com uma alternativa extraordinária. Se o Porto não conquistou a AEM, então terá o Infarmed. Eis uma maneira verdadeiramente espantosa de tomar decisões. Segundo as notícias, nenhum documento do Ministério da Saúde havia previsto a transferência do Infarmed para o Porto. Mas, para Costa, planeamento é uma palavra oca. O que contava era dar uma esmola ao Porto. Pelo caminho, enganou mais uma vez os portugueses dizendo que a transferência do Infarmed já estava prevista.

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Estas habilidades do senhor de São Bento ignoram os transtornos que as suas decisões de última hora causam às pessoas e às suas famílias. Como seria de esperar, a quase totalidade dos funcionários do Infarmed não querem ir para o Porto. Têm as suas vidas organizadas e de repente são informadas que vão para outra cidade. Se um governo de direita tomasse uma decisão destas, os sindicatos, o PCP e o BE já estavam nas ruas a atacar a falta de sensibilidade social da direita.

As últimas notícias dizem que o governo já recuou. Afinal, só parte do Infarmed é que irá para o Porto. Mais uma vez, o governo terá que emendar uma habilidade do PM, com truques e meias verdades. Espero que o Porto mostre a fibra de que a cidade é feita e recuse a esmola do governo. Será a única opção digna para Rui Moreira. Se o presidente da Câmara do Porto não se revoltar será cúmplice de uma estratégia errada desde o início, que tratou mal e desvalorizou a sua cidade, e das habilidades de Costa.

2. Hoje (ontem) devemos celebrar o 25 de Novembro de 1975, o outro dia da liberdade. Se o 25 de Abril derrubou a ditadura do Estado Novo, o 25 de Novembro derrotou a ameaça totalitária comunista. Os portugueses devem muita da liberdade e da sua democracia aos heróis que no dia 25 de Novembro de 1975 derrotaram as forças radicais de esquerda. Na altura, o PS de Soares juntou-se às forças democráticas, o PSD e o CDS. 42 anos depois, o PS de Costa está aliado aos partidos derrotados em 1975. Talvez por isso, o 25 de Novembro, este ano, foi quase ignorado. Quando as democracias ignoram as memórias das suas vitórias, os sinais são perigosos.