A simplificação administrativa (e.g. simplex, e-governement) e a redução da procura de serviços (e.g. redução drástica do número de alunos) conduzem a uma redução dos custos totais dos serviços públicos prestados. No setor da saúde, porém, o envelhecimento populacional, as novas tecnologias e as expectativas da população têm conduzido a um maior volume de serviços prestados e a uma maior despesa. Contudo, Portugal reduziu anualmente em média 0,7% da sua despesa em saúde entre 2005 e 2015.

Na verdade, o sistema de saúde português fica sempre muito bem posicionado quando comparado com outros sistemas de saúde. No entanto, em alguns indicadores Portugal fica bastante distante. Entre esses indicadores estão desde logo 1) a despesa total em saúde per capita (ajustada por paridade de poder de compra) e 2) a percentagem da despesa pública em saúde sobre o total da despesa em saúde. No primeiro indicador, Portugal gasta cerca de 62% da média dos Países da OCDE. Ou seja, cada português gasta cerca de menos 1.000 dólares americanos por ano que a média dos países desenvolvidos. Em relação ao segundo indicador, o Estado Português é responsável por assegurar 66% da despesa incorrida em saúde, contra 73% da média dos Países da OCDE. Em conclusão, para os resultados em saúde alcançados, Portugal gasta pouco em termos absolutos, ficando ainda assim o financiamento público aquém do necessário.

Todos nos regozijamos com os resultados alcançados pelo sistema de saúde português. Gostamos que esteja entre os melhores do mundo desenvolvido. Indignamo-nos quando na falta um medicamento inovador, ocorre algum erro médico ou esperamos mais do que devemos por uma consulta, cirurgia ou urgência. Nestes casos exclamamos que temos o pior dos sistemas de saúde, “nem no terceiro mundo”!

Poucos já se devem recordar, mas durante o período de ajustamento, o Ministério setorial que realizou o maior esforço pela redução da despesa pública foi o da saúde. Fez este ajustamento com enormes sacrifícios para os profissionais de saúde e para as populações, com enorme resiliência no acesso e na qualidade de cuidados.

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Ainda menos se devem lembrar dos tempos de 2009 e 2010. Nestes anos, com uma estratégia de sanear as contas da ADSE, o Ministério das Finanças promoveu uma redução do orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em mais de 500 milhões de euros. No setor já de si subfinanciado, resultou um “buraco” que veio a culminar em 2011 com perto de três mil milhões de euros de dívidas a fornecedores. Também, desde 2009, o investimento tem vindo a decair até ao incomportável, o que a par da redução do financiamento operacional, colocam em causa a retenção dos melhores profissionais, o ensino e formação contínua, e a qualidade e segurança dos serviços prestados.

É com bons olhos que, se observa a atenção das finanças sobre o SNS e, particularmente, sobre os hospitais. É que, os hospitais do setor empresarial do estado têm uma dupla tutela: Ministério das Finanças e Ministério da Saúde. Cronicamente, os hospitais vão sendo enjeitados pelas Finanças e suportados por uma mãe galinha do lado da Saúde. A mãe Saúde pede mais acesso (consultas e cirurgias) e qualidade. Também pede para conter os custos. O pai Finanças restringe o orçamento e aumenta custos com a reposição de salários e valor das horas extraordinárias, e reduz o horário de trabalho de 40 para 35 horas. Por outro lado, esvazia as competências dos hospitais empresa e mantém a centralização no Terreiro do Paço da gestão corrente dos hospitais (e.g. recursos humanos, aquisições de equipamentos, compromissos plurianuais), impedindo aumentos de eficiência e conduzindo, paulatinamente, à frustração dos atores envolvidos e ao aumento do desperdício.

Não querendo ser exaustivo sobre as capacidades reais de um Conselho de Administração de um hospital do setor empresarial do estado, centro-me apenas num exemplo: o enquadramento regulamentar dos compromissos plurianuais. Como facilmente pode ser compreendido, os hospitais têm uma laboração contínua, implicando que às 23h59 do dia 31 de dezembro de cada ano, a atividade não encerre. Ou seja, às 0 horas do dia 1 de janeiro não é viável/desejável alterar todos os fornecimentos de bens e serviços (e.g. medicamentos, dispositivos médicos, limpeza, alimentação, lavandaria).

Contudo, as entidades da administração pública, sempre que desejam constituir obrigação de efetuar pagamentos em mais do que um ano económico ou em anos económicos distintos do ano em que o compromisso é assumido são obrigadas a solicitar autorização ao Ministério setorial e ao Ministério das Finanças. Parece simples? Não o é.

Na prática, existe um enorme lapso de tempo que medeia entre o envio do pedido de assunção de compromisso plurianual e a receção da consequente autorização prévia (em média 9 a 12 meses), conduzindo a que sejam desencadeados procedimentos concursais com duração igual ou inferior a um ano que, muitas vezes, são assegurados por preços mais elevados do que aqueles que poderiam ser negociados se a duração do contrato tivesse duração superior a um ano. Mais, este intervalo de tempo obriga a desencadear procedimentos concursais urgentes (designadamente, o ajuste direto com convite a uma ou duas entidades) que não cumprem, plenamente, o princípio da concorrência. Pior, muitas vezes, aguarda-se todo este tempo para na maioria das vezes, se acabar em indeferimento pelo Ministério das Finanças.

Mais, não podendo os hospitais assumir encargos em ano económico diferente sem a devida autorização, acabam por operar nos primeiros meses do ano através de ajustes diretos.

Poderia abordar muitas mais áreas desta alienação parental. Mas agora que, as “Finanças apertam o controlo sobre gastos da saúde” estou certo que estas questões serão resolvidas e os hospitais terão a oportunidade para ser mais eficientes.

Como em qualquer relação pai-filho, a relação entre os hospitais e as finanças baseia-se em autonomia e responsabilização. É o que se pede ao Ministério das Finanças. Permitam um quadro de qualificação da administração hospitalar e gestão em saúde, passando pela educação e formação especializada e contínua, por um processo de recrutamento transparente e pela avaliação do desempenho, e formação contínua. De acordo com o estatuto do gestor público, os gestores com mau desempenho devem ser alvo de processo de exoneração. Nada mais de acordo. Implemente-se!

Aguardemos que esta guarda partilhada dos hospitais assegure dois progenitores presentes. Não é no final do ano que, o pai divorciado vem perguntar à mãe porque é que o filho chumbou de ano. Ainda para mais quando é sobejamente reconhecido por todos que a pensão de alimentos é insuficiente.

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares