O melhor que se pode dizer de Trump – uma baralhação de políticas oportunistas e cínicas que nada têm a ver com a direita – é que substituiu as obsessões sexuais e anti-gays dos republicanos evangélicos tinham capturado o GOP nos últimos anos. Infelizmente substituiu essas obsessões por delícias paranoicas racistas e misóginas.

Particularmente alarmante é vaga protecionista e isolacionista de Trump. Nem vale a pena iluminar a hipocrisia – os seus hotéis usavam materiais importados da China, os bonés ‘Make America Great Again’ também eram fabricados no país dos (para os trumpistas) diabos amarelos, e por aí adiante. Mas devemos referir que as propostas protecionistas de Trump são tão eficazes a promover empobrecimento como as ideias médias da dupla gloriosa Chavez e Maduro. E mais disruptivas da paz mundial (sim, a prosperidade económica trazida pela globalização promove a paz) do que qualquer uma das aventuras externas de Bush, W., ou Obama. Um país asiático ou africano de repente sem mercados que lhes comprem os produtos que costumavam exportar, e sem procura interna que sustente o desenvolvimento do país, garanto que é tão produtor de refugiados e imigrantes ilegais como as malfeitorias do ISIS.

Apelando a um eleitorado que maioritariamente nunca saiu dos Estados Unidos (os estados tradicionalmente votantes nos republicanos são os que têm a menor taxa de passaportes emitidos), a proposta de um orgulhosamente sós calhou bem. Trump propõem-se estancar mais que o movimento internacional de mercadorias; foi também da circulação informação, de ideias, de tecnologia.

Não é só nos Estados Unidos que as ideias protecionistas e isolacionistas têm fôlego. O Brexit não é nada além disso, e vamos ver para onde irá a União Europeia. São também umas ideias filhas diletas da ignorância. Historicamente o mundo tem aumentos de prosperidade quando há maiores trocas comerciais entre os países. Sucedeu no século segundo antes de Cristo, quando explodiu o comércio entre os impérios chinês, persa e indo-grego e o mundo helénico e romano através das rotas da seda terrestre e marítima. Outra vez depois dos descobrimentos europeus. Mais uma vez a partir do século XX. Este dinamismo comercial espevita os avanços tecnológicos, filosóficos, artísticos. Já o mundo de Trump e dos seus apoiantes é paroquial, imobilista – e mais pobre.

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Em boa verdade é uma ignorância parecida com a que Jerónimo de Sousa conta para louvar, aparentemente sem estar entorpecido por substâncias psicotrópicas, as maravilhas da União Soviética e da ‘democracia avançada’ (aquilo que as pessoas não infetadas pelo vírus marxista chamam de ditadura). Na realidade paralela de Jerónimo de Sousa, ‘a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), num curto período de tempo histórico, alcançou um significativo desenvolvimento industrial e agrícola, erradicou o analfabetismo e generalizou a escolarização e o desporto, eliminou o desemprego, garantiu e promoveu os direitos das mulheres, das crianças, dos jovens e dos idosos, o desenvolvimento de múltiplas formas de expressão artística, conquistou um elevado nível científico e técnico’. Leram bem. Vão lá tomar um chá de tília para acalmarem com a falta de vergonha alheia.

Claro que num curto espaço de tempo a URSS teve duas fomes massivas que mataram milhões, tal o sucesso das políticas agrícolas coletivistas. A expressão artística era controlada com rigidez e quem demonstrasse talentos para excentricidades fora do realismo socialista tinha a boa recompensa de passar uns refrescantes tempos na Sibéria. As crianças viviam em internatos estatais desde cedo, porque o estado educava melhor do que os progenitores. A tecnologia soviética produziu, entre outros, os apelativos bólides Lada.

Existiu ainda essa enternecedora característica soviética, que era o gulag. Mas se Rita Rato não conhecia este minúsculo pormenor da história da URSS, Jerónimo de Sousa, pobre alma, pode estar igualmente desinformado.

Dêmos graças aos santos bolcheviques por a bendita URSS ter implodido há vinte e cinco anos. Há, portanto, muitos jovens crédulos sem idade para se recordarem da miséria em que viviam os países da Cortina de Ferro. Ou a desigualdade social gritante entre os governados comuns e as famílias dos membros do PCUS. As lojas para os altos dirigentes comunistas onde a populaça, num cúmulo de igualitarismo, não podia entrar. Os cubículos com aquecimento deficiente onde se amontoavam os mortais, em contraste com os espaçosos apartamentos dos próximos da cúpula do PCC, juntamente com uma pequena dacha nas redondezas de Moscovo e o acesso às exclusivas zonas balneares da Crimeia.

Com um vazio de informação, Jerónimo de Sousa pode impunemente inventar sucessos.

O mundo está assim. A direita ignorante quer exterminar uma fonte de prosperidade. A esquerda aproveita-se da ignorância para seduzir incautos. A esquerda é intrinsecamente revolucionária. A direita, com a recente ferocidade anti-elites e anti-instituições que (bem e mal) geraram o mundo ocidental rico e tolerante, compete agora com a esquerda no fervor revolucionário.

Boa sorte, mundo.

(Quando enviei o texto, ainda nenhum candidato havia obtido 270 votos no colégio eleitoral. Mesmo que Trump tenha afinal perdido, o que é improvável, as suas ideias vão ter longa vida.)