Transcorridos os escassos primeiros minutos em que os dois candidatos socialistas a primeiro-ministro concordaram, com nuances insignificantes, em criar emprego, relançar o crescimento da economia e devolver o dinheiro retirado a funcionários públicos, reformados e  uma massa variada de “excluídos”,  os dois contendores socialistas,  Seguro e Costa, envolveram-se numa repugnante troca de venenosas acusações pessoais, que obliterou por completo  qualquer elemento – se ele existe – que pudesse ajudar o público, e os eleitores indecisos em particular, a formar uma opinião sobre qual dos dois convém mais para primeiro-ministro de Portugal.

O debate televisivo da noite de 23 de Setembro, ainda por cima não nos poupou o momento patético em que ambos reconheceram a inexistência de divergências sérias entre eles, nem sequer na gravata ou no clube de futebol. Entretidos com a exaltação da sua própria popularidade e excelência pessoal, passaram alegremente ao lado do cerne do problema português cuja solução, essa sim, interessaria aos portugueses conhecer. Justifica-se, assim, a suspeita  de que nenhum deles detém a chave dessa solução, o que os desqualifica, por igual, para se oferecerem imodestamente ao país como uma alternativa, viável e credível, à malfadada austeridade que longos anos de desvario financeiro acabou por nos impor.

Impulsionar o crescimento mediante o relançamento da economia é apresentado como a receita para inverter o processo de degradação social causada pelo desemprego, pelos “nem-nem” e pelas inumeráveis vítimas de outras formas de “exclusão”. Costa, cautelosamente, atira no entanto a solução da dívida para um futuro incerto, deixando pairar a ideia misteriosa de que ela surgirá, em prazo indeterminado, de uma qualquer negociação europeia. Deixa-nos portanto sem nada. Seguro advoga explicitamente a “mutualização”, algo que não tem a menor probabilidade de se concretizar enquanto a Europa não se converter à solidariedade socialista e a Senhora Merkel, acolitada pelo Senhor Schauble, “presidir” à União Europeia. Não é impossível que essa conversão aconteça, mas certamente não acontecerá a tempo de resolver as nossas aflições: precisamos de dinheiro já. Este “pensamento único” tão vituperado pela Esquerda (e até por alguma Direita que acredita em milagres), funda-se simplesmente na constatação de factos graníticos.

Com que dinheiro se financiarão os investimentos que hão-de criar emprego, prosperidade e “coesão social”? Com empréstimos, agravando ainda mais o défice e a dívida? Ora este foi o caminho que nos trouxe até aqui. Quanto à Banca, que se foi recapitalizando depois de passadas a agruras mais agudas da crise, queixa-se de que faltam projectos empresariais suficientemente credíveis e meritórios para justificarem um financiamento. Com os milhões dos “fundos estruturais” que chegarão até 2020? Mas metade serão consumidos pela Despesa do Estado, segundo cálculos de economistas tão idóneos como Silva Lopes ou Manuela Morgado (Público, 21.9.14); sobram logo menos milhões.

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Às dificuldades de financiamento e à insuficiente criatividade do “empreendedorismo” nacional soma-se a exiguidade do mercado interno, que obriga a produzir preferencialmente mercadorias exportáveis para o mercado europeu, de longe o principal destino das nossas trocas internacionais. Tanto para a solução da dívida, que exige boa vontade política, como para a compensação do mercado interno, dependemos da Europa. Eis um cenário muito pouco auspicioso, porque a Europa há muito que cresce mediocremente (e alguns países não crescem nada), além de que enfrenta actualmente o risco de uma deflacção que já foi comparada à que assolou o Japão há duas décadas e até hoje o condenou à estagnação económica. A diminuição das nossas exportações já reflectem, de resto, o retraimento do mercado europeu.

Costa ainda foi capaz, apesar de enredado nos termos da discussão regateira que permitiu que Seguro lhe impusesse, de proclamar, pela enésima vez, que urgia “mobilizar o país”, uma tarefa em que o seu adversário falhara – como de facto falhou – mas que ele era predestinado para desempenhar com sucesso. Não escolhe aliados e não enjeita nenhum apoio nem exclui ninguém até mesmo para a formação de uma equipa governativa. Não se compreende como possa não prever o prolongamento do bloqueio do nosso quadro partidário, causado, como há dias aqui escrevi, pela polarização política à Esquerda provocada pela existência de um Partido Comunista em que as gerações se renovam ao mesmo tempo que a ortodoxia se reforça e o dogmatismo floresce.

O PCP já oficializou a sua vontade de que Portugal saísse do euro para recuperar a velha autonomia monetária que concede a liberdade de resolver todos os problemas mediante a manipulação das taxas de juro e a desvalorização do escudo, para fomentar as exportações sem proceder às reformas necessárias para modernizar e aumentar realmente a competitividade da nossa economia. O PCP jamais chegará a um acordo com Costa que vá para além de meras cortesias.

O futuro do que resta do Bloco é insondável, mas certo é que esta ou outra Catarina Martins se encarregará de demonstrar um grau de agressividade susceptível de derrubar um governo, a tal agressividade que Costa acha tem faltado a Seguro e bastaria para remover o governo iníquo de Passos Coelho…

Seguro já recusou reiteradamente fazer acordos com quem defende a saída do euro e com quem queira “desmantelar o Estado Social”. Nem PC nem PSD, portanto. Ambos os candidatos, ao que tudo indica, terão a maior das dificuldades em vencer o isolamento em que as “circunstâncias” políticas portuguesas os encerram. Seguro é mais maleável, e, estimulado pelas duras dificuldades financeiras, inclinar-se-á mais facilmente ao diálogo com os alegados coveiros do Estado Social. Costa, apesar da auto-proclamada vocação para unir e congregar forças desavindas, muito dificilmente domesticará a sua facção socrática e a “cauda de descamisados” alegrista, que mais não é do que um prolongamento da antiga Esquerda radical do PS que desde Manuel Serra (Dezembro de 1974) dividiu irremediavelmente o Partido Socialista.

Após três meses de acesa campanha para as “primárias” e depois de três debates televisivos que arruinaram o mito de António Costa e evidenciaram a esperteza de António José Seguro, esperteza rasteira mas eficaz face a um adversário que  revelou fragilidades insuspeitadas, resta uma pergunta simples e directa que, maliciosamente omitida pelos candidatos, nunca obteve a resposta por que todos os portugueses ansiavam: onde e como vão arranjar o dinheiro? Depois de todo o ruído que fui ouvindo, continuo a não ver solução para o país que não seja poupar, enquanto as reformas feitas e a fazer – pois faltam as essenciais – não prepararem Portugal para competir com sucesso no vendaval da globalização que marca o século XXI.

Enquanto não disserem onde vão buscar o dinheiro imprescindível ao cumprimento das suas promessas, nenhum dos dois candidatos a primeiro-ministro dispõe da tão propalada “alternativa” nem ostenta qualquer grandiosa “visão” para o país – no imediato e no futuro – e os sonhos que tentam vender são “só fumaça”, parafraseando o saudoso almirante Pinheiro de Azevedo, o defunto ex-primeiro-ministro de Portugal (1975).

Historiadora