“O Natal é quando um homem quiser”, é comum ouvir dizer-se. Porque todos os dias são válidos para sermos generosos, praticar o bem, estar com quem gostamos.

No entanto, a realidade afigura-se bem diferente.

Aproxima-se o Natal e a roda vida de consumismo inicia-se. Decoram-se as árvores de Natal e constroem-se os presépios, muitas vezes sem sequer sabermos o real significado destes simbolismos.

Pais Natais pululam pelas ruas, as crianças vibram de alegria, as luzes brilham… e mesmo aquelas que já não acreditam no Pai Natal admitem que gostariam de continuar a acreditar. Na magia que o envolve.

Mas há Natais e Natais…

Nas famílias que acompanho deparo-me com uma realidade bem diferente. Em muitas delas o stresse de juntar toda a família. Os que não se falam. Os que apenas se toleram. Os que fingem que se adoram.

E temos ainda as crianças cujos pais se separaram ou divorciaram. “Recebo prendas a dobrar”, dizem muitas delas. E é verdade, recebem. Os pais competem pelas melhores prendas, as mais caras, as mais raras.

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Não obstante esta “vantagem” que as crianças identificam, não podemos ignorar o reverso da medalha.

Com quem passam a noite do dia 24? E a que horas devem regressar para casa do outro progenitor?

Raro é o ano em que não passo a noite de 24 a tentar gerir ao telefone algumas destas questões com ambos os pais, a tentar encontrar alguns consensos.

“Porque está escrito no acordo que a criança tem de ser entregue até às 23h00”.

“Pois, mas a essa hora ainda estamos todos à mesa”.

“Pois, mas fica frio e ela tem de se deitar cedo”.

Fala-se das crianças como mercadorias que têm de ser entregues. Pacotes já desembrulhados que apenas têm agora de ser mudados de local.

E depois há as viagens. As eternas viagens da manhã do dia 25, muitas vezes entre cidades distantes.

“Ai que se atrasaram 15 minutos”.

“Ai que o acordo não é cumprido”.

O Natal destas crianças é feito de duas metades. Que nem sempre se encaixam.

Pais, mães, avós e restante família alargada. Deixemos as crianças viver a magia do Natal. Acreditar, mesmo que seja a fingir, no Pai Natal e nas renas, e na fábrica de brinquedos, e nos duendes. E que é possível estarmos bem junto das pessoas de quem gostamos. Acima de tudo, conseguir proteger as crianças dos conflitos dos adultos.

Há Natais e Natais…

E há também os Natais das crianças que não vivem com a família. A sua família são as outras crianças da instituição, a equipa técnica, os monitores e as famílias amigas que tentam compensar tantas ausências.

Ontem dizia-me um menino acolhido, “deixa lá ver como vai ser este ano, espero que alguém me leve para casa”.

Espero que alguém me leve… espero que seja especial o suficiente para que alguém me queira. Espero…

Aqui as metades não encaixam. Existem peças separadas, sozinhas, que se sentem perdidas. Sem brilho e sem luz.

Podemos até não conseguir que o Natal seja todos os dias, mas que pelo menos o seja nesta altura.

Pode ser celebrado de tantas formas… seja de que forma for, permitir às crianças que se sintam amadas e protegidas.

Este é o meu pedido de Natal.

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicoterapia e Psicologia da Justiça; Docente universitária