Há uma semana, um conjunto de 15 mil cidadãos e de 172 entidades públicas e privadas, mobilizadas por um museu, um jornal, uma estação de televisão, uma agência de publicidade e uma fundação, conseguiram um feito inédito no país: a angariação popular de mais de 600 mil euros para a compra de uma obra importante para a colecção desse museu.

Os organizadores foram o Museu Nacional de Arte Antiga, Público, RTP, Fuel e Fundação Millennium BCP, que conduziram a bem sucedida campanha “Vamos colocar este Sequeira no lugar certo”. Mas os protagonistas foram, essencialmente, os milhares que contribuíram para que A Adoração dos Magos, de Domingos Sequeira, pudesse ser comprada pelo MNAA, onde passará a estar exposto ao público.

Esta operação, a todos os títulos meritória, mostra-nos várias coisas.

A primeira é que a sociedade civil, quando devidamente organizada e incentivada, não se alheia de causas públicas que considera válidas e nobres. O altruísmo e o sentido de comunidade não estão reservados a causas humanitárias e sociais. E ainda bem.

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Outra é que estamos décadas atrasados neste tipo de iniciativas que, afinal, também são possíveis de realizar com sucesso em Portugal. Há muito tempo que, em muitos países, o financiamento da arte e da cultura é essencialmente privado. E funciona. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mecenato empresarial ou individual têm uma importância fundamental, financiando cerca de 96% das artes.

É óbvio que o financiamento público, seja nacional ou local, deverá ter sempre um papel importante no sector por variados motivos – uns mais nobres do que outros, naturalmente: uma coisa é diminuir as assimetrias no acesso à cultura e outra é praticar “políticas de gosto” monolíticas ou promover clientelas amigas.

Mas a participação de agentes privados, empresas, fundações, associações ou cidadãos individuais, é um longo caminho que está, em grande parte, por explorar. Exige ainda um longo trabalho de sensibilização e de mudança cultural até encararmos com a mesma naturalidade o pagamento da quota do clube de futebol e da mensalidade da associação dos amigos do museu.

A inércia dos próprios agentes e instituições culturais também não ajuda. É mais fácil ir pedir o cheque ao Ministério e montar uma campanha mediática que pressione a sua obtenção do que agregar parceiros privados, montar operações criativas e pensar em formas de dar algum retorno a mecenas privados.

A este respeito não esqueço o episódio que me foi contado há anos pelo gestor de uma empresa privada que era mecenas principal de uma entidade pública de artes performativas sediada em Lisboa. Durante a negociação de mais um ano de apoio, o mecenas pedia que uma parte do programa fosse feito em várias cidades do país o que, aliás, estava disposto a pagar. Não foi fácil convencer os artistas a saírem do conforto de Lisboa e Porto e a levarem os espectáculos a públicos que nunca os tinham visto. Nunca é fácil mudar os hábitos de quem acha que terceiros têm a obrigação inquestionável de pagar o que gostamos de fazer.

O Museu Nacional de Arte Antiga e o seu director, António Filipe Pimentel, colocaram-se nos antípodas desta postura. Atreveram-se a fazer o que nunca tinha sido feito no país, pelo menos a esta escala. Rodearam-se dos parceiros certos. Foram criativos e determinados. Souberam falar para o público e este correspondeu. Feita a prova do conceito, que venham mais Sequeiras. Todos agradecemos, na nossa dupla qualidade de cidadãos e contribuintes.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com