Os britânicos passaram os últimos meses a discutir se haverá um hard ou um soft Brexit. Para simplificar a questão, hard Brexit significa, além da saída da União Europeia, o Reino Unido deixar de participar no mercado único. Desde a vitória do Não, o cenário ideal seria o modelo norueguês: fora da União, dentro do mercado. As últimas semanas mostraram que este cenário é uma fantasia. Uns acreditaram na fantasia simplesmente porque foram incapazes de aceitar a nova realidade imposta pelo referendo de Junho. A negação da realidade, quando ela não agrada, faz parte da condição humana. Outros procuram uma solução que evite consequência económicas negativas. A participação no mercado comum seria o modo de evitar que o Não à Europa produzisse danos para a economia britânica.

Menos de seis meses depois do referendo a realidade começa a impor-se. Aliás, é extraordinário como pessoas inteligentes e sensatas, como muitos cronistas do Financial Times e os editores do Economist, conseguiram acreditar que o Reino Unido poderia adoptar o modelo norueguês. Não é necessário ler muitos livros de História para perceber que o Reino Unido não é, nem nunca será, a Noruega (o facto de parte das elites britânicas ter considerado o modelo norueguês para o seu país é de resto um sinal do declínio inglês).

Julgo que a questão da livre circulação de trabalhadores não seria o principal obstáculo ao soft Brexit. Os juristas de Bruxelas encontrariam uma solução aceitável para os britânicos para limitar o número de emigrantes europeus. Os maiores problemas são outros. Fora da União, os britânicos jamais aceitariam legislação feita em Bruxelas. É impossível estar no mercado único sem integrar as leis europeias na legislação nacional. Do mesmo modo, como poderia o governo britânico acatar as regras da concorrência decididas pela Comissão Europeia sem ter um comissário britânico? Simplesmente impossível. Por último, seria impensável o Reino Unido contribuir para o orçamento comunitário estando fora da União Europeia. Mas uma vez, não é necessário conhecer detalhadamente a história britânica para saber que “taxation without representation” não costuma ser bem aceite no país. Assim, é óbvio que para o Reino Unido a saída da UE significa também o abandono do mercado único.

Apesar da impossibilidade do cenário ideal, ou da fantasia, as coisas poderão correr melhor ou pior. Neste momento, é impossível prever o que irá acontecer. Quem disser o contrário, é ignorante, mentiroso ou tonto. Mas há alguns pontos importantes a notar. A eleição norte americana interessa. A vitória de Hilary Clinton poderá ser positiva para as negociações entre Londres e a União, mas só o será se ela investir capital político na Europa (o que não é um dado adquirido) e não pode ficar refém da ala radical dos Democratas (por esta e por outras razão as eleições em Novembro para o Congresso são cruciais). Se Trump ganhar, será o desastre.

Também sabemos que com eleições em França e na Alemanha, entre Abril e Setembro do próximo ano, não haverá grandes progressos nas negociações para o Brexit até ao final de 2017. Isto significa que será quase impossível concluir um acordo final em Março de 2019 (a data prevista para o Reino Unido abandonar a União). Terá assim que haver um acordo de transição. Isto significa que teremos que viver com a incerteza e a instabilidade durante anos. Quem precisa de certezas e de estabilidade, prepare-se porque vai ter que mudar ou sofrer.

Por fim, Theresa May terá uma vida insuportável como PM britânica. Terá que possuir muita resistência e capacidade de sofrimento. Como demonstram os meses desde que chegou ao n. 10 de Downing Street, a Europa será o tema central para o seu governo. Mas estes meses também mostraram que os Conservadores continuam tão divididos sobre a Europa como estavam antes do referendo. O referendo tirou o Reino Unido da União, mas não resolveu as divisões do Partido Conservador em relação à Europa. Irónico, para Cameron, e trágico, para May.

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