Por estes dias, tudo nos mete medo: o sal e os micróbios, o tipo errado de gordura, tudo o que não foi hermeticamente selado, e prazos de validade que nos tiraram a capacidade de perceber se uma a coisa está podre ou não através do mero olfato. Precisamos que nos digam que a manteiga de amendoim pode conter frutos secos, ou que um chão molhado é capaz de estar escorregadio, ou que uma caneca de café quente pode estar quente. Um clima de medo e litigância domina as nossas vidas. Alguns dos regulamentos que causaram tudo isto são perfeitamente razoáveis, outros são um bocado exagerados, e outros ainda são mesmo ridículos, mas aceitamo-los a todos, porque há coisas mais importante para fazer além de lutar contra a máquina da ASAE e dos escritórios de advogados.

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No entanto, enquanto vivemos à sombra de tanta legislação, direção e censura, ainda é perfeitamente normal que todos os nossos síndromas e complexos, todas as nossas psicoses e listas de compras, todas as discussões com os nossos parceiros, todos os nossos devaneios, e todos os nossos dias bons e dias maus — todas essas coisas se encontrem subitamente em frente do volante de uma tonelada de metal com rodas que tem a capacidade de aniquilar, e a que nós chamamos automóvel, carro, carrinha, camião, camionete, etc. Aniquilar não com uma virose no estômago, nem com um rabo dorido, nem com uma língua queimada, mas com violência catastrófica.

Passei muito tempo a conduzir automóveis, desde o momento em que recebi a minha carta de condução provisória aos 17 anos. Adoro conduzir. Adoro a velocidade. Adoro a liberdade que me dá. E sempre me espantou que a condução dessa máquina fatal que é um automóvel fosse permitida quase a qualquer pessoa, incluindo eu. Conduzo mais ou menos todos os dias há 27 anos, mas se fosse eu a pessoa com o carimbo e os regulamentos e as cartas para distribuir, não estaria à vontade para me dar uma carta de condução a mim própria. Não porque conduza mal, mas porque sou um ser humano, com falhas, como todos os seres humanos. Faltam-nos capacidades para não ferirmos ou matarmos pessoas, porque somos todos idiotas.

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Miúdos de 17 e 18 anos são idiotas. Jovens com algo para provar ao mundo são idiotas. Pessoas perfeitamente inteligentes mas com demasiadas coisas em que pensar são idiotas. Pessoas perfeitamente idiotas e que não reconheceriam uma consequência se chocasse com elas a 100 km à hora são idiotas. Homens de meia idade preocupados pela ideia de o seu carro não ser suficientemente bom, e mulheres de meia idade que só começaram a conduzir recentemente e ainda não perceberam o conceito das rotundas são idiotas. Qualquer homem ao volante da mundialmente ubíqua “carrinha branca” é um idiota. Pessoas idosas com orgulho a mais para admitirem que já é altura de devolverem a sua carta de condução são idiotas. Idiotas perigosos e irritantes — todos nós.

Desde o minuto que entramos dentro dos nossos veículos, ficamos convencidos de que a rua é a nossa, que temos o direito sagrado de chegar ao nosso destino o mais rapidamente possível, que são os buracos na estrada que causam acidentes, que toda a gente merece os nossos palavrões, que os ciclistas são dispensáveis, e que os peões deviam ver por onde vão … porque a passadeira também é nossa.

Deem a um ser humano um bocado de potência ou velocidade e ele só quer mais. Vejam como batemos nos écrans “touch” ou clicamos furiosamente nos ratos dos computadores quando uma página leva três segundos a descarregar em vez dos mili-segundos desejados.

Os peões são também uma data de idiotas, e a verdade é que nem precisam de tirar qualquer carta para atravessarem a estrada. Um dia destes, vi um jovem muito contente com ele próprio por estar a passear o seu bebé no carrinho. Tão contente, que empurrou o carrinho do bebé à sua em frente, e assim entrou na passadeira para atravessar a estrada.

Nem parou para ver se vinha algum automóvel, nem, e mais importante, se o automóvel ia parar.

Quando, por sorte para o seu bebé, o automóvel os viu e, sim, parou a tempo, o jovem dedicou-se a atacar verbalmente o condutor que, felizmente, não tinha exterminado a sua família.

A rua, deve pensar ele, pertence-lhe.

Talvez melhor seja ficarmos todos em casa.

(traduzido do original inglês pela autora)

 

Idiots on wheels

These days, we all live in fear of germs and salt, and the wrong kind of fat, and being sold something that hasn’t been hermetically sealed and irradiated, and best before dates which have destroyed our ability to sniff it to see if it’s gone off. We have to be told that peanut butter may contain nuts, or that a wet floor may be slippery, or that a cup of hot coffee will be hot. A climate of fear plus litigiousness rules our lives. Some of the diktats that caused all of this are perfectly reasonable, some are a bit exaggerated, some are preposterous, and we go with it, because we have better things to be doing with our lives than spending them raging against the health and safety plus lawyer machine.

While we live in the shadow of so much legislation and nannying and telling off, it’s still perfectly normal that all our syndromes and complexes, our psychoses and shopping lists on our brains, arguments with our lovers that morning, daydreams to be dreamt, all our good days and bad days are all poured into the driving seat of a ton of metal with wheels that has the power to annihilate. Annihilate not with a stomach bug, nor with a bruised bum, nor with a burnt tongue, but with catastrophic violence.

I have always spent a lot of my time driving, ever since the moment I got my provisional driving licence on my 17th birthday. I love driving. I love the fun of going fast. I love the freedom it gives me. And I have always marvelled at the fact that almost anyone, including me, is allowed to drive such a lethal machine. I have driven almost every day for the last 27 years, it is second nature to me, but if I was in charge of stickers and diktats and licences, I wouldn’t be happy giving me a driving licence. Not because I am a bad driver, but because I am a human being with failings. We really aren’t up to the job of not killing other people, because we are idiots.

17 and 18 year old teenagers are idiots. Young men with something to prove are idiots. Perfectly intelligent people with too much on their minds are idiots. Perfect idiots who wouldn’t know a consequence if it slammed into them at 100 kph are idiots. Middle-aged men with a chip on their shoulder and middle-aged women who learn to drive late in life and don’t get the concept of roundabouts and indicators are idiots. Any kind of man behind the wheel of the universal pest that is “WHITE VAN” is an idiot. Older people who are too proud to admit that it’s time they handed in their driving licences are idiots. Dangerous, annoying idiots, every last one of us.

From the second we get in our cars, we are convinced that the road is just ours, that we have a god given right to get where we’re going as fast as we deem reasonable, that the potholes are the things that cause accidents, that everyone else deserves to be sworn at, that cyclists have it coming to them and that pedestrians should be looking where they’re going… because the pavement is ours when we want it, too.

Give a human a bit of power or speed and he wants more. Look how we frantically poke at our touch screens or click and bash our computer mice when a page takes three seconds to load instead of the desired milliseconds.

Pedestrians, however, are a bunch of idiots too, and they don’t have to pass a test to cross the road. I was walking down the road the other day when a young man, delighted with himself to be pushing his baby in a pram, stepped out onto the zebra crossing, pushing his baby in front of him in a pushchair.

He hadn’t stopped to look what was coming, or, more importantly, what was stopping.

When, luckily for his baby, a car HAD spotted him and DID stop, just in time, the young man launched into a tirade of abuse at the driver.

The road, he felt, belonged to him.

We should probably all stay at home.