Vale a pena comparar as eleições britânica e francesa da semana passada, apesar das diferenças de sistema político, economia, integração europeia, etc. Porque é que Theresa May falhou e Emmanuel Macron venceu?

Se atendermos apenas à votação, o fracasso de Theresa May não é evidente. May obteve o melhor resultado do Partido Conservador desde 1979: 13,6 milhões de votos e 42,4% do total. Com um resultado pior (11,3 milhões e 36,9%), David Cameron teve uma maioria absoluta em 2015. O que correu mal? Isto: os Trabalhistas de Jeremy Corbyn conseguiram também a maior mobilização eleitoral em vinte anos, impedindo os Conservadores de ganhar os mandatos que deveriam ter normalmente ganho.

Estas foram as eleições mais participadas dos últimos anos no Reino Unido, e aquelas em que Conservadores e Trabalhistas, juntos, tiveram maior percentagem do voto. O resultado foi um parlamento “pendurado”. As notícias são más para os Conservadores, mas só as baixas expectativas iniciais impedem que se note que são ainda piores para os Trabalhistas: com a maior votação desde 1997, ficaram a uma distância de 55 deputados do primeiro lugar.

Isso revela o segredo das vitórias eleitorais no passado: foram obtidas, não apenas pela mobilização dos apoiantes dos vencedores, mas pela abstenção dos apoiantes dos derrotados. O que aconteceu nestas eleições é que todos, vencedores e derrotados, conseguiram mobilizar-se, cancelando-se uns aos outros. Em princípio, devia agora haver negociação ou coligação. Mas o problema é que a mobilização eleitoral foi conseguida à custa da demonização do adversário. May denunciou Corbyn como um esquerdista pronto para destruir a economia e render-se aos alemães; Corbyn acusou May de ser uma neo-liberal decidida a destruir o Estado social e isolar o país na Europa. De facto, Corbyn é sustentado por um movimento da extrema-esquerda, que jamais aceitará negociar com os Conservadores. May tentou “moderar” os Conservadores e era uma europeísta. Mas para mobilizar votos, teve de fingir-se convertida ao “hard Brexit” e agora vai depender da extrema-direita do Ulster.

No Reino Unido, a participação tornou mais difícil governar o país. Em França, pelo contrário, a abstenção vai facilitar a vida ao governo. A eleição legislativa francesa de domingo foi das menos participadas de todos os tempos, tal como a segunda volta das presidenciais de Maio (especialmente se contarmos com os votos nulos). Mais de metade dos franceses não se deram ao incómodo de ir votar. Mas o resultado da abstenção foi, das duas vezes, um enorme mandato para Emmanuel Macron, com os outros partidos reduzidos a expressões mínimas. Macron foi eleito e terá uma grande maioria de governo, não apenas pela mobilização dos seus eleitores, mas graças à maciça desmobilização dos eleitores dos outros partidos.

É de bom tom dizer que a democracia vive da participação. Isso é verdade, mas só até certo ponto. Num país de opiniões divididas em partes iguais, uma participação elevada servirá apenas para projectar essa divisão nas assembleias representativas. E se tiver sido obtida, como no Reino Unido, pela demonização do adversário, dificultará depois os entendimentos necessários para governar regularmente. O trunfo de Macron é que ninguém (ainda) o odeia. A direita bem tentou expô-lo como um socialista disfarçado, a esquerda cansou-se a descrevê-lo como um neo-liberal encoberto. Inutilmente. Macron tem uma retórica de cidadania participativa. Mas o segredo da sua vitória não está na participação, mas na abstenção. Parece ser esse o segredo para um governo democrático ser possível num ambiente de polarização política.

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