Em finais de 2014, a Comissão Europeia pedia medidas de austeridade adicionais para Orçamento do Estado de 2015 de forma a garantir que o défice de 2015 fosse de 2,5%. Pedro Passos Coelho respondeu da forma que se sabe. Em vez de anunciar medidas adicionais, anunciou a subida do défice previsto no orçamento. Passou de 2,5% para 2,7%. Com este anúncio, Passos Coelho oficializou o que era óbvio: estava disposto a sacrificar os interesses do país no altar das eleições. Mas, como se sabe, mesmo depois revista a meta não foi cumprida. Mais uma vez, a campanha eleitoral de 2015 ajuda a explicar esta estratégia orçamental que nos atirou para valores acima dos 3%.

Chegados a 2016, existe a hipótese de sofrermos sanções por causa do défice excessivo de 2015. Percebo a surpresa, afinal temos um défice orçamental acima dos 3% desde que o Euro existe, ou seja desde 1999, e agora, 17 anos depois, é que se lembram de nos sancionar. Mas, surpresa à parte, é surreal os líderes do PSD querem sacudir a água do capote como se nada tivessem a ver com o assunto.

Por outro lado, vemos no actual governo de Costa a tentativa de apenas culpar o anterior governo pelas possíveis sanções. Mas vale a pena lembrar quais são os requisitos principais para poder haver sanções. São dois: o défice estar acima dos 3% e não apresentarmos um plano de redução do mesmo que as instituições europeias considerem credível.

Se ao PSD+CDS devemos o cumprimento do primeiro requisito, ao PS+BE+PCP+PEV devemos as dúvidas levantadas relativamente ao segundo requisito. Podem vociferar à vontade, mas a estratégia de testar os limites da União Europeia é uma estratégia assumida pelo actual governo, possivelmente refém da maioria que o suporta. Essa estratégia tem riscos e os riscos são os que observamos. O actual governo pode queixar-se da herança que recebeu. E os portugueses também se queixaram e por isso decidiram mudar de governo nas últimas eleições (por muito convencida que a PàF esteja de que ganhou). Mas o que esperamos de um governo é que faça o melhor possível com a herança que recebeu. Querer culpar apenas o anterior pela situação débil em que nos encontramos é tão absurdo como ouvir Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque dizerem que nada têm a ver com o assunto.

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Percebo que para muitos portugueses tudo isto seja incompreensível. Que sentido faz que as sanções sobre algo que se passou em 2015 possam depender do comportamento do governo em 2016? Francisco Louçã, por exemplo, considera isto tão ilógico que julga ser ilegal. Mas verdade é que é mesmo isto que está previsto e faz todo o sentido que assim seja.

Talvez uma analogia ajude a perceber. Até há pouco tempo, quando alguém cometia duas infracções graves de condução, muitas vezes recebia como sanção ficar temporariamente inibido de conduzir. No entanto, essa sanção podia ser aliviada desde que se frequentasse um curso de formação dado pela PRP — Prevenção Rodoviária Portuguesa. Ou seja, a sanção de uma infracção passada dependia, também, do comportamento no presente. É o que está previsto nos acordos que Portugal assinou relativamente aos défices excessivos: caso violemos os limites, receberemos uma determinada sanção, a não ser que apresentemos um plano de redução do défice que seja convincente.

Como me dizia um amigo, em conversa do Facebook, há ainda uma outra forma de evitar a perda de carta: “fazeres um choradinho muito grande a dizer que precisas da carta para viver.” Essa acabou por ser a estratégia seguida, fazer um choradinho e clamar contra a injustiça e dizer que com as sanções as metas serão ainda mais difíceis. É muito provável que o choradinho dê resultado. Aposto mesmo que o resultado disto é dizerem-nos que temos até 2016 para cumprir as metas, adiando as sanções para 2017.

Habituámo-nos a culpar o arco governamental pelas desventuras de Portugal, CDS+PSD+PS. Mas, quando chegarmos a 2017, todo o arco parlamentar terá culpas: CDS+PSD+PS+BE+PCP+ PEV. Todo não. O Partido dos Animais será inocente.