É frequente encontrar homens e mulheres de boa vontade que muito gostam de Jesus de Nazaré, dos seus inspirados ensinamentos e da sua proverbial bondade, mas que sentem uma profunda aversão pela Igreja católica. Na sua hierarquia, nos seus dogmas, nas suas leis, na sua disciplina, nas suas exigências morais e também nos escândalos que, infelizmente, desde sempre a acompanharam, não são capazes de vislumbrar a grandeza do Mestre de Nazaré, que tanto entusiasmava as multidões de há dois mil anos e agora também comove não poucos contemporâneos. A fé destes ‘cristãos’ anticlericais resume-se num só artigo: Jesus, sim, Igreja, não!

O argumento parece ter alguma pertinência. Há dois mil anos não havia nenhum Catecismo da Igreja Católica, nem nenhum Código de Direito Canónico, nem tribunais eclesiásticos ou excomunhões e, por isso, há quem queira ver, na Igreja actual, uma nova versão dos antigos fariseus e doutores da lei. Outros talvez não levem tão longe o seu anticlericalismo, mas insistem na singeleza do Cristianismo inicial, que a Igreja teria desvirtuado, razão que invocam para entender que podem muito legitimamente aderir a Cristo, sem por isso pertencerem à Igreja católica.

O padroeiro destes ‘cristãos’ anticlericais tem um nome: Saulo de Tarso. Ou seja, São Paulo, mas antes da sua conversão. Saulo, com efeito, nunca perseguiu Cristo, nem consta que se tenha oposto ao seu magistério. Também não aparece entre aqueles que publicamente o contradisseram. Contudo, Saulo foi um dos que participou activamente no martírio de um dos primeiros diáconos, Santo Estêvão, como impiedoso perseguidor da Igreja primitiva. Com efeito, “Saulo devastava a Igreja: ia de casa em casa, arrastando homens e mulheres e entregava-os à prisão” (Act 8, 3).

É quando Saulo, “respirando sempre ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor”, se dirige para Damasco, com poderes para prender os cristãos que lá houvesse, que ocorre a sua conversão. Interpelado por alguém que lhe pergunta porque o persegue – “Saulo, Saulo, porque me persegues?” – pede ao seu estranho interlocutor que se identifique, o que ele faz dizendo: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (Act 9, 1-6).

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Num tão breve diálogo, Jesus afirma, por duas vezes, que é perseguido por Saulo de Tarso, o que, na realidade, não só não era verdade como parecia indiciar uma estranha mania persecutória. De facto, para Saulo, Cristo era alguém que já tinha morrido e passado à história e que, portanto, já não valia a pena perseguir. Ele perseguia sim a Igreja, mas não Cristo; os cristãos, mas não Jesus de Nazaré.

É, de facto, muito significativo que nesse tão breve diálogo, Jesus Cristo tenha dito, por duas vezes, que ele e a Igreja são uma só e a mesma realidade. Podia ter dito: Saulo, Saulo, porque persegues os meus discípulos? Ou: porque persegues a minha Igreja? Jesus, ao ser interrogado sobre a sua identidade, deveria ter dito que era o Mestre, ou o Senhor daqueles que eram perseguidos, mas nunca o próprio alvo da perseguição que, com efeito, não se dirigia directamente a ele, mas aos seus fiéis, à sua Igreja.

São Paulo construirá a sua eclesiologia à luz dessa revelação: a Igreja não é uma instituição ou uma realidade distinta do seu divino fundador, mas Cristo realmente presente no mundo e na história, no espaço e no tempo. Por isso, não é possível amar verdadeiramente Jesus fora da Igreja, nem ser da Igreja sem ser em Cristo. Não são dois termos análogos, mas sinónimos. Não são duas realidades diferentes, mas dois modos distintos de uma mesma presença. E, se é verdade que hoje, só pela fé, é possível ver Cristo na sua Igreja, também é certo que, há dois mil anos, só pela fé era possível ver o Filho de Deus na humanidade de Jesus de Nazaré.

Não há dois Cristos, mas um só, que é, simultaneamente, Deus e homem verdadeiro, e que tem um nome: Jesus de Nazaré. É este Jesus que a Igreja não só adora como também é. O outro, o dos cristãos anticlericais, nunca existiu, nem existe, senão na sua imaginação. Amar Cristo, sem amar a sua Igreja, é tão contraditório como seria absurdo querer alguém desprezando o seu corpo. Amar a Igreja é amar Cristo, porque o corpo de uma pessoa não é apenas algo que lhe pertence, mas que ela é.

Os que amam Cristo, mas não a sua Igreja, já estão a caminho da verdade. Mas, como Saulo de Tarso, também eles são chamados à conversão, ou seja, a amar Jesus na Igreja, que é verdadeiramente o seu corpo.

Sacerdote católico