No passado dia 14 de Outubro, os defensores da liberdade perderam uma das suas principais referências a nível mundial. Com a morte de Leonard P. Liggio (1933-2014), o liberalismo (no sentido clássico do termo) vê desaparecer alguém que era provavelmente a última grande figura da geração de académicos e activistas intelectuais que lideraram o renascimento do pensamento liberal na segunda metade do século XX.

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Leonard Liggio foi professor na George Mason University, nos EUA, e professor convidado na Universidad Francisco Marroquín, na Guatemala, tendo colaborado com numerosas instituições académicas um pouco por todo o mundo. Em Portugal, Liggio colaborou regularmente ao longo dos últimos anos com o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, em especial com o Estoril Political Forum, organizado anualmente pelo IEP no final de Junho.

A disciplina em que Liggio mais se distinguiu foi a História – com particular incidência na história das ideias e instituições legais – mas seria uma imprecisão grosseira descrevê-lo como tendo sido exclusivamente um historiador. O seu conhecimento transcendia barreiras disciplinares e quem com ele conversou pode atestar o seu impressionante à vontade nas mais diversas áreas das ciências sociais e humanidades. Murray Rothbard, ligado por uma profunda e duradoura amizade a Liggio, não exagerou quando escreveu no prefácio à sua obra Conceived in Liberty que a sua maior dívida de gratidão era para com Leonard Liggio, “cujo conhecimento de abrangência verdadeiramente fenomenal e perspectiva sobre numerosos campos e áreas da história são uma inspiração para todos quantos o conhecem”.

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Tive a sorte de beneficiar também do conhecimento enciclopédico de Liggio em numerosas ocasiões ao longo dos últimos 12 anos. Foi para mim particularmente importante o estímulo que, juntamente com Alejandro Chafuen, me deu para estudar os autores da chamada escolástica tardia. Uma via que tem originado várias publicações, entre as quais o livro The Salamanca School (juntamente com José Manuel Moreira), para o qual Liggio forneceu várias ideias e referências e sobre o qual muito generosamente escreveu: “This work is an important contribution to the history of legal and economic  thought.”.

A constante e aparentemente inesgotável capacidade de Leonard Liggio para encaminhar e ajudar outros a organizar as suas ideias e o seu trabalho terá, paradoxalmente, sido uma das razões principais para que o próprio Liggio, não obstante ter produzido um infindável número de brilhantes palestras, nunca tenha publicado um livro seu. Recordo ainda a sua notável disponibilidade e generosidade quando aceitou – apesar de ter já uma agenda extremamente carregada durante a sua estadia em Londres – um convite que lhe dirigi para uma palestra na London School of Economics em 2005, onde na altura era doutorando e tinha respondabilidades de direcção na LSE Hayek Society.

Leonardo Liggio era também um católico devoto que, ao contrário de outros liberais, nunca viu a fé como estando em conflito com a liberdade. Também neste domínio a abrangência de Liggio estava bem patente no interesse que dedicava ao estudo das raízes do pensamento liberal em diversas tradições religiosas, com destaque nos anos mais recentes para o Islão.

O percurso de vida de Liggio – que incluiu, entre muitos outros cargos, passagens pela presidência da Mont Pelerin Society, da Philadelphia Society e do Institute for Humane Studies, assim como a vice-presidência da Atlas Network, cargo que ocupava actualmente – permitiu-lhe conhecer de perto as outras figuras principais do liberalismo ao longo das últimas décadas. Além da relação de forte amizade com o já referido Rothbard, Liggio integrou por exemplo o seminário privado de Ludwig von Mises e, durante algum tempo, o círculo restrito de intelectuais que se reunia em torno de Ayn Rand. Um dos maiores prazeres de conversar com Liggio era precisamente ouvir os episódios envolvendo estas e outras figuras, que ele contava sempre com impecável elegância, equilíbrio, humor e bonomia.

A bondade era aliás uma das suas mais salientes características pessoais, a que dificilmente alguém ficava indiferente. No mundo académico e dos think-tanks – um meio propício a que tantas figuras menores se coloquem em bicos de pés, compensando em atrevimento e arrogância o que lhes falta em conhecimento e seriedade – Liggio distinguiu-se sempre pela sua generosidade, profundidade e sentido de justiça.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa