Uma mãe normal com dois filhos, um pré-adolescente e outro com oito anos – ok, pronto, sou eu – e que irão, um dia, andar atrás do sexo oposto com intenções sexuais, pensa que certos pontos para lhes dar educação até são simples. Que não basta estar-se atraído por alguém, ou querer sexo, para forçá-la a um ato sexual. Que tudo existe dentro de um contexto, pelo que é aconselhável ver se a outra pessoa deu sinais de estar interessada em enrolamentos físicos, leves ou intensos, sobretudo quando não se conhece bem o objeto do nosso desejo.

Também espero que venham a saber que não é comportamento aceitável em adultos apalpar ou a esfregar-se em colegas de trabalho. E que nunca nos aproveitamos de qualquer debilidade das outras pessoas em nosso proveito. Tal como espero que os meus filhos não aproveitem uma idosa trémula no multibanco para lhe roubar o dinheiro levantado, também almejo que não abusem da vulnerabilidade financeira de ninguém para forçar sexo. Não quero que deem uma de Manuel Alegre, por exemplo, que nos fez o obséquio de contar sem remorsos que perdeu a virgindade com uma criada da casa dos pais.

Estes ensinamentos basilares supunha eu fazerem parte dos mínimos de educação no mundo ocidental. Descobri, depois da recente enxurrada de revelações de assédios e abusos sexuais de vária estirpe e gravidade (já lá vamos), virem afinal de mães moralistas, vingativamente entregues a uma caça às bruxas a pobres homens que apenas se estão a divertir com o sexo da sua preferência, e que – isto sim seria grave – vão levar os filhos a uma vida sem sexo.

Não entendo. Da minha experiência e das minhas amigas, apalpões a despropósito não costuma ser via bem-sucedida de engate ou sedução. As respostas habituais andam na linha dos estalos, pisadelas (com saltos agulha é melhor), unhas espetadas na mão autora do assédio, pontapés (em podendo). Não vislumbro como deixar de haver grunhos apalpadores leva à abstinência. Alguma vez este género de comportamentos acabou em êxtases sexuais? E supõem estas luminárias que viver sem sexo é o sonho feminino? Que vitorianos.

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Outra alternativa apocalíptica: às mulheres ocidentais resta-lhes, continuando com a incontinência acusatória, usar niqab. Descrevo a estrondosa lógica associada. Homem político casado afagador compulsivo de joelhos de outras mulheres? Ótimo para a fidelidade e casamento. Mulheres proprietárias dos joelhos a queixarem-se publicamente? Feminazis contra instituições familiares.

Pedro Mexia, no Governo Sombra deste fim de semana, tentando ser benigno, fez uma argumentação espantosa. Resumindo: as denúncias ou são casos judiciais ou são ‘diz que disse’. Como? Perdão? Desde quando apenas merece censura social um comportamento que 1) seja tipificado como crime e 2) que seja suscetível de ser provado em tribunal? O que é legal é automaticamente ético e moral? Isto valendo tanto para abusos sexuais como políticos ou económicos.

Mulheres (e homens) só podem denunciar questões sexuais nas instâncias judiciárias ou calam-se para sempre? O que não se conta na hora é mentira? Um homem ou uma mulher tem direito a contar uma história de abuso sexual os anos depois que entenderem, nos seus termos. Vamos fingir que apenas as violações e abusos reportados – segundo estatísticas do Departamento de Justiça americano, são só certa de 30% — de facto ocorreram?

E evidentemente pode-se denunciar condutas profissionais impróprias, mesmo sem relevância criminal. Desde logo porque assédios, se menos graves que abusos, são mais uma desvantagem profissional criada às mulheres (ou aos homens, se os assediadores forem gays).

Inês Pedrosa e o marido, Gilson Lopes, escandalizaram o twitter em bloco com a defesa de Kevin Spacey. Afinal foi só um engate malsucedido (entretanto surgiram mais alegações). Que interessa se o miúdo tinha catorze anos?

Convém fazer aqui um ponto de ordem. Um adolescente fisicamente desenvolvido, que até sinta atração por um adulto e consinta, é sempre imaturo, influenciável, manipulável. Nada desculpa ao adulto aproveitar-se sexualmente do dito adolescente. É diferente de sexo entre adolescentes, onde há, digamos, igualdade de inocências e de parvoíce.

Os acusados, tirando os políticos, ou têm assumido ou têm negado pifiamente os atos mais graves; alguns já foram para tratamento; em Hollywood eram segredo aberto. Mas tal não deteve defensores mais aguerridos. Bons eram os tempos em que o Labour aconselhava uma abusada a manter-se calada. Aplauda-se a universidade de Oxford que faz por ignorar três acusações de violação ao professor Tariq Ramadan. (É a glória mediática para uma mulher acusar um islâmico que até há vinte dias ninguém conhecia, de acordo com a cartilha dos defensores.)

Termino num tom mais sério. Os abusos sexuais são eventos que invariavelmente geram stress pós-traumático nas vítimas, uma doença debilitante. Ora contar qualquer trauma não é fácil. Segundo Judith Herman, psiquiatra e professora na Harvard Medical School, a vítima conta quando se sente em segurança (não raro muito tempo depois, à distância do agressor, por vezes noutro país). Dori Laub, também psiquiatra e sobrevivente do Holocausto em menino, fala do ‘imperativo para contar’ versus a ‘impossibilidade de contar’: as palavras nunca são as certas, é necessário sentir disponibilidade do(s) outro(s) para acolher a história. Cathy Caruth sugere contar o trauma numa linguagem literária ou artística.

Cabe a uma comunidade decente não somar atribulações ao ato de contar, mas levar a sério as histórias coerentes e plausíveis (tem sido o caso) que homens e mulheres contam sobre abusos sexuais, em vez de enxovalhar as vítimas para absolver os predadores. Tudo o que sai desta linha visa criar um ambiente que obrigue mulheres e rapazes a continuarem calados. É o caso típico de cumplicidade.